O especialista em Inteligência Artificial que fez voar os drones portugueses até ao unicórnio

Do Técnico até aos céus da Ucrânia, Ricardo Mendes pilotou a Tekever até valer mais de mil milhões. O cientista/gestor de Inteligência Artificial diz, contudo, que a viagem ainda está no início.

Lisboa, Instituto Técnico Superior, 2001: Ricardo Mendes e quatro colegas de engenharia informática decidem lançar a Tekever, para aproveitar novas oportunidades na intersecção entre redes de comunicação, inteligência artificial (IA) e sistemas distribuídos. “Bootstrapped desde o Dia 1″, lê-se no site da empresa, referindo-se ao termo na gíria inglesa para descrever um negócio que arranca apenas com os recursos dos fundadores, sem capital de risco ou empréstimos.

“Tínhamos pouco mais de 20 anos”, recorda Mendes ao ECO. “Éramos um grupo de engenheiros fascinados com a ideia de criar algo nosso mas, acima de tudo, revolucionário: cruzar a inteligência artificial com a área dos sistemas distribuídos.” O sonho era de reunir a ciência à imaginação para elevar essas áreas a novos patamares e para resolver problemas que nem sequer tinham sido concebidos ainda. “Partiu tudo da ideia de que todas as coisas iriam estar ligadas através da Evernet — um conceito que, afinal, se veio a chamar Internet e que deu origem ao nosso nome, nasce do conceito de “Technologies for the Evernet”.

Bedfordshire, Reino Unido, maio de 2025: O primeiro-ministro britânico, Sir Keir Starmer elogia o papel da Tekever na guerra na Ucrânia, na qual os drones da empresa já acumulam 10 mil horas de voos de reconhecimento. A empresa liderada por Mendes revela que vai investir 470 milhões de euros no Reino Unido após assinar um contrato com a Royal Air Force. No dia seguinte, anuncia que fechou uma nova ronda de financiamento, que avalia em empresa em 1,2 mil milhões de euros, ultrapassando os mil milhões que definem um ‘unicórnio’.

O facto de o mercado acreditar que a nossa empresa vale mais de 1.000.000.000,00 euros é um marco extraordinário, que devemos, sem dúvida, celebrar

Ricardo Mendes

Ricardo Mendes revela ao ECO que antes de ser tornado público, a empresa enviou um email a todos os colaboradores para partilhar a novidade. O CEO diz que há uma parte dessa mensagem que transmite bem a perspetiva da empresa. “Normalmente somos bastante reservados quando se trata de comunicar o valor da empresa em números, porque essa não é uma métrica que valorizemos muito — acreditamos que o valor que criamos para os nossos clientes, e o crescimento de cada um de nós, como profissionais e como pessoas, é o que realmente importa”, lê-se no email. “No entanto, o facto de o mercado acreditar que a nossa empresa vale mais de 1.000.000.000,00 euros é um marco extraordinário, que devemos, sem dúvida, celebrar!”

 

“Nunca nos podemos habituar à guerra”

O que é que aconteceu nos 24 anos que separam esses marcos? Se fosse possível responder em forma de nuvem de palavras as que ocupariam mais espaço seriam drones, IA, Ucrânia e adaptabilidade. Nos primeiros oito anos, a empresa especializou-se no desenvolvimento de software para negócios, para companhias como a EDP poderem aproveitar as crescentes capacidades e mobilidade das redes de telecomunicações. Mas, em 2009, viria a demonstrar a veia camaleónica, ao rodar para a produção de Unmanned Aerial Vehicles, mais conhecidos por drones, para os setores de segurança e defesa.

A decisão já estava a ser equacionada há algum tempo. Começaram a perceber que havia setores, tradicionalmente abordados pela perspetiva do hardware mais conservador, e para a Tekever “era muito evidente que no futuro iriam ser primordialmente diferenciadoras as capacidades que nós tínhamos, nomeadamente na área de redes móveis, de inteligência artificial e de capacidade de computação distribuída“, explicou Mendes no podcast do ECO ‘À Prova de Futuro’ em fevereiro.

Um desses setores foi o dos drones, que era dominado por empresas que vinham de produzir aviões e que olhavam para drones como ‘aviões mais pequenos’. “Nós olhamos para este setor como computadores com asas, são computadores em rede com asas”, explicou o CEO no podcast. Contratos com Agência de Segurança Marítima Europeia e com o governo britânico para a vigilância no Canal da Mancha impulsionaram a expansão, mas o ponto de viragem e de reconhecimento foi o uso dos drones de reconhecimento da empresa pela RAF na Ucrânia.

Não é a adrenalina que nos move em contextos de conflito: é a consciência de que estamos do lado certo da História, com tecnologia que faz a diferença e salva vidas

Ricardo Mendes

Mendes responde de forma direta quando questionado pelo ECO para este retrato sobre se ainda fica nervoso quando vai à Ucrânia, ou se já e habituou. “A guerra nunca pode ser algo a que nos habituamos”, declara.

“Quando visitamos a Ucrânia sentimos, sobretudo, respeito pelas pessoas que batalham diariamente para defenderem a sua liberdade, a soberania do seu país — e, em última análise, a paz, tão simples quanto isso”, sublinha. “Não é a adrenalina que nos move em contextos de conflito: é a consciência de que estamos do lado certo da História, com tecnologia que faz a diferença e salva vidas”.

A mesma “chama inicial”, mas mais global

O inventor Thomas Edison, o matemático Alan Turing e o cientista de computação Yann LeCun são as três figuras que inspiraram Mendes — um cientista que tem licenciatura, mestrado e doutoramento que se tornou gestor, segundo revelou num recente podcast do Expresso. Mas como é que seu papel e dia a dia como CEO mudou com o crescimento da Tekever? “Eu sou apenas o rosto mais visível de uma equipa de gestão, que trabalha em conjunto todos os dias para manter uma visão clara sobre o caminho que queremos percorrer, e para garantir que temos os recursos necessários para o fazer”, diz.

“É claro que o dia a dia de cada um tem vindo a mudar de forma substancial, à medida que a empresa cresce e liderar uma equipa de 1.000 pessoas é diferente de liderar uma equipa de 100 — para além de manter um enorme foco nas nossas pessoas, e em atrair o melhor talento, temos que ter uma atenção constante com a estrutura organizacional e com os processos subjacentes, por forma a garantir que nos mantemos uma organização extremamente ágil, mesmo com uma escala já significativa”, acrescenta.

Para Ricardo Mendes, essa escala é para continuar a aumentar. Recorda que no início, em 2021, “não pensávamos em limites, só queríamos fazer coisas relevantes para o mundo”.

“Hoje, ao olhar para a Tekever como líder europeia de sistemas aéreos baseados em inteligência artificial, vejo essa mesma chama inicial, só que agora já com uma escala global“, salienta. “Mas penso que todos sentimos que, apesar da história e da dimensão que já temos, ainda estamos no início da viagem.”

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