A Advocatus foi saber junto de quatro advogados quais são as principais medidas que o Governo deve apostar na área da Justiça na proposta de Orçamento do Estado para 2025.
No mês de outubro será apresentada a proposta de Orçamento do Estado para 2025, que seguirá depois para discussão no Parlamento. Quatro advogados anteciparam o que deve o Governo apostar para o setor da Justiça. Da descentralização e simplificação ao aumento de recursos, vários são os aspetos realçados.
Um dos pontos sublinhados foi a necessidade de simplificar e agilizar a justiça. “Há que a repor como prioridade (política) efetiva, identificando os entraves para uma justiça mais atempada e percetível pelos cidadãos, o que implica linguagem mais simples e formas de comunicação, incluindo de publicitação de decisões, mais adequadas aos tempos de hoje”, refere Rogério Fernandes Ferreira, managing partner da RFF.
Também o sócio da Miranda, Francisco Colaço, defende que se deva promover medidas que contribuam para a diminuição da “prolixidade” dos articulados e alegações apresentados pelas partes nos processos e das decisões judiciais, designadamente das sentenças que devem seguir um modelo base ou pré-definido que privilegie a objetividade da decisão e respetivos fundamentos.
“Reforçar a oralidade na prática de atos processuais, eliminando na medida do possível todos os formalismos inúteis ou desnecessários e que só oneram o processo em tempo e meios” é outra das medidas apontadas. Para o sócio, realizar o máximo de diligências possíveis através de videoconferência, inclusivamente as audiências finais para inquirição de testemunhas, de forma a reduzir tempo e custos ao processo, seria uma boa aposta.
Numa outra vertente, Rogério Fernandes Ferreira acredita ainda que é preciso definir e controlar com mais acuidade os atos próprios das diversas profissões, “que se misturam”, no âmbito da atividade do advogado, do contabilista, do consultor e de diversas sociedades comerciais, penalizando, de forma “bem mais efetiva e adequada”, a procuradoria ilícita.
Da justiça tributária aos tribunais especializados
No que concerne à justiça tributária, Rogério Fernandes Ferreira defende que é preciso repor o contribuinte em primeiro lugar, dando “prioridade às regras de distribuição e de competência dos tribunais, às da prescrição tributária, à simplificação dos meios e prazos de defesa e à promoção da análise e revogação prévia dos atos tributários pela própria Autoridade Tributária (AT) antes da submissão aos tribunais, mantendo o atual paradigma do contencioso tributário de anulação”.
Também João Magalhães Ramalho, sócio da Antas da Cunha Ecija, e Paula Madelino, associada sénior, defendem que não faz sentido fazer depender o reinício do prazo de prescrição da declaração em falhas da AT. “Este é um tema que tem levantado muitas questões e que ainda não foi alvo de decisão no Tribunal Constitucional”, acrescentam.
Os advogados da Antas da Cunha Ecija recomendam ainda um aumento da capacidade de resposta dos Tribunais Tributários comuns. Para tal, sugerem a criação e entrada em funcionamento de novos tribunais, como é o caso do Tribunal Central Administrativo Centro, o qual já foi criado, mas ainda não está a funcionar. “Ajudaria a descongestionar os tribunais já existentes e permitiria decisões mais rápidas, reduzindo os prazos de tramitação e conclusão dos litígios administrativos e fiscais. Esta medida garantiria maior eficiência e certeza no tratamento dos processos (e do seu desfecho) e aumentaria o acesso à justiça”, referem.
João Magalhães Ramalho e Paula Madelino apontam ainda a necessidade de deslocação/transferência de matérias relativas aos crimes tributários para os Tribunais Administrativos e Fiscais e a necessidade de haver mais juízes com especialização em Direito Fiscal.
“A proposta de criação de subsecções especializadas nos Tribunais Centrais Administrativos e Fiscais foi fundamental para lidar com a crescente complexidade dos litígios fiscais e administrativos. Tendo em mente esta experiência, a especialização dos juízes e dos tribunais pode aumentar a qualidade das decisões, tornando-as mais precisas e ajustadas ao contexto jurídico específico de cada processo”, revelam.
Os advogados apontam que o aumento do número dos juízes e dos tribunais especializados deve ser acompanhado pelo aumento de recursos humanos de suporte, tornando o funcionamento dos tribunais mais eficiente e rápido. “Neste âmbito, e tal como acontece em outros países, poderia pensar-se na celebração de protocolos com outras entidades, por exemplo com a Ordem dos Advogados e Universidades, no sentido de licenciados em Direito integrarem equipas de apoio dos juízes na apreciação e redação das sentenças e acórdãos”, sugerem.
Também Francisco Colaço garante que é preciso dotar tantos os Tribunais Civis, Criminais como os Administrativos de meios humanos e materiais, “fazendo um uso proficiente da tecnologia”, de forma a dar “vazão” ao número de processos entrados em juízo em cada ano e, ainda, a “recuperação das pendências nos juízos mais complicados, designadamente, recorrendo para o efeito a uma bolsa a criar de juízes-assessores que, por determinação do Conselho Superior de Magistratura possam ocorrer sempre e onde haja a necessidade”.
João Magalhães Ramalho e Paula Madelino sugerem ainda a extinção da ação administrativa, para discutir atos em matéria tributária e/ou atos em que a liquidação não é diretamente posta em causa, “migrando” os casos para o âmbito da apreciação em sede das impugnações judiciais perante os Tribunais Comuns e/ou Tribunal Arbitral do CAAD.
Mais recursos e novos tribunais
De forma a descentralizar e aumentar os meios e recursos nos tribunais, Francisco Colaço considera necessário novos juízos de competência. “No âmbito dos Tribunais Administrativos, campeões da morosidade em qualquer instância, concretizar a criação dos juízos de competência especializada em matérias como urbanismo, ambiente e ordenamento do território, dando, aliás, cumprimento aos compromissos já assumidos em sede de PRR”, revela.
“Promover um sistema de incentivo e bonificação dos funcionários e juízes que mais processos despachem, que opere em conjugação com a respetiva nota de avaliação quanto à qualidade técnica”, acrescenta ainda o sócio da Miranda.
Para José Jácome, sócio da SRS Legal, um dos pontos essenciais para a área da Justiça é a criação de uma task force para acabar, em data certa e obrigatoriamente com decisões sobre o mérito da causa, com os maiores atrasos nos processos administrativos e fiscais em que “há milhares de processos à espera de decisão há vários anos.
No âmbito do processo civil, Francisco Colaço defende a promoção do recurso obrigatório aos meios e mecanismos alternativos de resolução de litígios, oferecendo vantagens de custo e tempo para as empresas e particulares.
José Jácome sugere também a criação de um tribunal de grandes causas civis e comerciais com competência nacional, com um corpo de juízes especializado e “mais bem pago”, regulamento processual próprio vocacionado para a decisão sobre o mérito da causa e para assegurar a eficácia prática das decisões. O sócio da SRS considera necessário ainda revogar o regulamento das custas. “Substituição por uma tabela simples e clara de custos fixos. Regras simples de garantia do pagamento das custas, incluindo da compensação razoável para a parte vencedora”, nota.
Outra das medidas sugeridas para o OE apontadas por João Magalhães Ramalho e Paula Madelino é a criação de um Tribunal de Justiça Alternativa para resolver processos de menor valor, com uma alçada, por exemplo, até 5.000 euros, semelhante dos Julgados de Paz. “Este tribunal teria apenas competência para avaliar e decidir sobre os casos de menor complexidade, proporcionando uma via mais rápida e menos onerosa para resolução de conflitos tributários e administrativos”, explicam.
Segundo os advogados, este tribunal deveria poder conhecer qualquer fundamento de impugnação nos termos do artigo 99.º do CPPT e ainda ser competente para conhecer matéria executiva e contraordenacional até à sua alçada. “Em paralelo, e à semelhança do Tribunal do CAAD, processualmente as decisões deste tribunal não deveriam ser objeto de recurso (pelo menos em termos gerais, tornando as decisões finais e definitivas, e fechando a porta ao “arrastamento” dos processos)”, acrescentam.
Assim, consideram que este tribunal reduziria a pressão sobre os tribunais “principais”, descongestionando as pendências e permitindo alcançar uma justiça mais célere e menos dispendiosa.
Entre as mudanças apontadas pelos advogados da Antas da Cunha Ecija está ainda o ajustamento/alteração do objeto do pedido a conhecer pelo tribunal – “faz sentido que o tribunal possa conhecer do pedido no seu todo -, os procedimentos de “adesão” (reuniões de regularização do 58.º-A do RCIPTA), e os procedimentos nos termos dos artigos 111.º e 112.º do CPPT, permitindo à AT revogar total ou parcialmente o ato impugnado até às alegações de Direito.
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OE2025: Qual é o caminho do investimento na área da Justiça?
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