Qual é a melhor opção para Portugal: hidrogénio verde ou azul?

Quatro especialistas, encabeçados por António Bento, professor catedrático da University of Southern California, escrevem sobre o tipo de hidrogénio que Portugal deve apostar. Leia o texto na íntegra.

Foi recentemente aprovada a resolução de conselho de ministros que consagra a Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2). Esta estratégia promove a introdução gradual do hidrogénio que, tal como discutimos na nossa opinião publicada no jornal Expresso, é essencial para Portugal assumir o objetivo da neutralidade carbónica em 2050. Esta estratégia poderá ser alcançada quer com hidrogénio verde ou hidrogénio azul, daí ambas as opções merecem escrutínio e discussão pública.

Existem vários processos de produção de hidrogénio, entre os quais: verde, azul e cinzento. O hidrogénio verde é produzido a partir da eletrólise da água, separando-a em hidrogénio e oxigénio, através da aplicação de uma corrente elétrica. Este processo não gera emissões de carbono quando as fontes de energia elétrica utilizadas são renováveis. A produção de hidrogénio cinzento utiliza um processo denominado de “conversão por vapor” que usa gás natural como matéria-prima. Este é o processo mais utilizado hoje em dia para produzir hidrogénio devido aos seus baixos custos, mas gera emissões de carbono.

O hidrogénio azul é produzido através do mesmo processo industrial que o cinzento, no entanto utilizam-se técnicas de captura e armazenamento de carbono para reduzir as emissões.

No recente manifesto anti-hidrogénio – “Os erros da Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2)”, bem como na opinião de Mira Amaral e na sua entrevista na SIC notícias, esse grupo recomenda adiar o investimento no hidrogénio verde, devido à sua “imaturidade tecnológica”, e apresenta como alternativa para descarbonização o uso do hidrogénio azul.

Na nossa opinião, essa opção não é sensata pelas seguintes razões:

  1. Continuar a perpetuar a produção de hidrogénio cinzento significa aceitar de forma passiva um futuro pagamento de taxas de carbono cada vez mais elevadas, e adiar a transição para uma economia verde ancorada nas energias renováveis. As figuras abaixo mostram a evolução do preços de hidrogénio verde, azul e cinzento, entre 2020 e 2050, e a contribuição da taxa de carbono para o seus preços. Em 2030, já no caso pessimista, existe paridade de preço entre o hidrogénio cinzento e o azul. Ao mesmo tempo, a diferença entre o preço do hidrogénio cinzento e verde é pouco substancial.
  2. Apesar de os custos base de produção de hidrogénio azul, aos dias de hoje, poderem ser mais baixos do que o hidrogénio verde, estes ignoram elevados riscos ambientais e de saúde pública (como é documentado neste estudo) que Portugal deverá evitar. Existem ainda dois custos de oportunidade que devemos considerar: primeiro, a queda futura do preço de hidrogénio verde que só é permitida através da inovação tecnológica, experiência de learning-by-doing, e economias de escala; segundo, perder a oportunidade de ser um dos primeiros países a investir no hidrogénio verde, e a possibilidade de criar um hub tecnológico que possa criar emprego verde e exportações.
  3. Não existem quaisquer vantagens para a aposta de Portugal no hidrogénio azul. Portugal não é um produtor de gás natural, não faz sentido prolongar a vida deste setor. Aliás, existem ganhos geopolíticos, para além de ambientais, em reduzir a nossa dependência energética externa de gás natural. Ao mesmo tempo não é óbvio como e onde se faria o armazenamento do CO2 capturado. Existem dois métodos principais de armazenamento: primeiro, armazenamento em oceanos, que se baseia na injeção de CO2 em profundidades de 1.000 m ou mais. Este método tem impactos ambientais já bem conhecidos, tais como o aumento da acidez dos oceanos devido à reação de produção de ácido carbónico. Segundo, armazenamento geológico, que consiste em armazenar o CO2 em poços correspondentes a reservas esgotadas da exploração de petróleo e gás natural, ou em cavidades salinas, como por exemplo as utilizadas para armazenamento de gás natural nas cavernas do Carriço, no concelho de Pombal. Uma vez que Portugal não produz petróleo nem gás natural, o CO2 teria de ser transportado para países que têm esses poços esgotados, implicando ainda mais custos. Alternativamente poder-se-iam criar mais cavernas como as do Carriço, mas haverá sempre limitações no espaço e o processo de dissolução da salgema implica deitar ao mar a salmoura resultante, tendo este processo já sido associado a impactos negativos no desenvolvimento da fauna marinha. Poderá também existir um risco de libertação súbita do CO2, o que seria catastrófico para todos os seres vivos nas imediações, à semelhança do que aconteceu no desastre natural do Lake Nyos nos Camarões, em 1986. Tal como o armazenamento nos oceanos, o processo de acidificação dos aquíferos também poderá ocorrer, o que provoca a corrosão das rochas, aumentando o risco de fuga. Além disso, Portugal é um país com moderado risco sísmico, o que torna fugas de CO2 possíveis, fazendo esta técnica menos atrativa a longo prazo (escalas geológicas), invalidando o propósito do investimento realizado.

Tal como explicamos na nossa opinião anterior, os proponentes do manifesto anti-hidrogénio ignoraram o valor da taxa de carbono no cálculo do preço de gás natural e hidrogénio cinzento. Fica agora claro, que ao proporem hidrogénio azul, também não contabilizaram os custos ambientais e de saúde pública associados com falhas no processo de armazenamento do dióxido de carbono. A literatura mostra que estes custos e riscos são elevados. Portanto a questão é simples: Estão dispostos a aceitar os riscos associados à produção de hidrogénio azul ou preferem avançar para uma economia verde?

Caso pessimista

Caso otimista

Legenda das figuras:

As figuras apresentam a evolução do preço do hidrogénio verde, cinzento e azul até 2050, mostrando que o hidrogénio verde ficará competitivo em comparação com o azul e cinzento, em alguns casos já em 2030. Note-se que os custos de hidrogénio azul ignoram riscos e custos ambientais e de saúde pública associados ao armazenamento de CO2.

Em ambos os cenários assumimos que os custos de captura e armazenamento do carbono diminuem, devido inovação e economias de escala, tal como assumido para o hidrogénio verde.

Este artigo foi escrito em colaboração com:

Gonçalo Aguiar, Engenheiro; Spacecraft Power System Engineer, OHB System

Luís Lopes, Gestor, frequenta atualmente o Mestrado de Gestão da NOVA SBE

João Seixo, Economista, frequenta atualmente o Mestrado de Economia da NOVA SBE

Fontes:

Hydrogen Economy Outlook – Key messages, BloombergNEF
Techno-economic Evaluation of Deploying CCS in SMR Based Merchant H2 Production with NG as Feedstock and Fuel
The cost of carbon capture: is it worth incorporating into the energy mix?

  • Colunista convidado. Professor Catedrático de Políticas Públicas e Economia da University of Southern California

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