Do cinzento ao verde, passando pelo azul. Porque tem o hidrogénio tantas cores?

A versão final da Estratégia Nacional para o Hidrogénio verde será conhecida hoje, depois de aprovada em Conselho de Ministros. Saiba porque tem tantas cores diferentes este gás ultra leve e incolor.

É um dos temas mais quentes do momento. Nunca como agora se falou tanto sobre hidrogénio, o gás que (na sua versão poluente, ou seja, cinzento) já serviu para fazer flutuar enormes balões dirigíveis e é usado há mais de 100 anos na indústria química e petroquímica, e que a União Europeia elegeu como um dos principais caminhos a seguir para chegar à meta de ser o primeiro continente neutro em carbono. Em Bruxelas, o hidrogénio (agora verde, por ser descarbonizado) mereceu já a criação de uma Aliança europeia, com vários países — incluindo a Alemanha e a Holanda, entre outros — na linha da frente para o começar a produzir em larga escala.

Ao lado destes pesos pesados europeus, Portugal também está nesta corrida com a sua Estratégia Nacional para o Hidrogénio, cuja versão final será tornada pública esta quinta-feira, depois de aprovada em Conselho de Ministros. Projeto bandeira do Governo de António Costa, o hidrogénio divide neste momento políticos e especialistas, arrancando rasgados elogios e duras críticas ao mesmo tempo: para uns é a melhor aposta possível neste momento, vital para a descarbonização da indústria e dos transportes pesados; para outros é uma “ideia megalómana”, um projeto “extremamente perigoso” por se tratar de uma “tecnologia ainda muito atrasada”.

Mas afinal o que é o hidrogénio e porque tem tantas cores diferentes este gás leve, altamente inflamável, incolor, inodoro, insípido e insolúvel em água?

De volta às aulas de química: o que é o hidrogénio?

O hidrogénio entra no currículo e nas metas de aprendizagem dos alunos portugueses no 9º ano de escolaridade, com a Tabela Periódica de Mendeliev. Nela, este elemento químico gasoso ocupa nada mais, nada menos do que o primeiro lugar, sendo a substância mais simples que se pode encontrar e a mais abundante no universo. O símbolo do hidrogénio é H2 porque cada molécula apresenta dois átomos de hidrogénio ligados. É 14,4 vezes menos pesado que o ar e por isso, no século XIX e XX, chegou a ser usado para fazer flutuar enormes balões dirigíveis rígidos (conhecidos como Zeppelins) que não só transportavam passageiros entre vários países como foram usados como bombardeiros durante a Primeira Guerra Mundial.

O hidrogénio faz parte de tudo o que nos rodeia: água, plantas, animais, combustíveis, entre outros. Já no século XVI o alquimista suíço Paracelsus conseguia produzir por reação química de metais com ácidos aquilo que chamava de “ar explosivo”, mas só em 1766 Henry Cavendish reconheceu este gás como uma substância química que produz água quando é queimado na presença de ar. Depois disso, foi Antonie Lavoisier que, em 1783, chamou hidrogénio ao novo elemento e provou que a água é composta por hidrogénio e oxigénio. Em 1806, François Isaac de Rivaz construiu o primeiro dispositivo de combustão interna movido por uma mistura de hidrogénio e oxigénio. Quase um século depois, em 1898, o hidrogénio foi liquefeito pela primeira vez por James Dewar.

Das enzimas das algas à água, como se produz este gás tão desejado?

Apesar de muito abundante, o hidrogénio não se encontra em estado livre na natureza. Anualmente são produzidas cerca de 70 milhões de toneladas de hidrogénio a nível global. A sua produção obtém-se separando-o dos outros elementos com os quais se combina, através de processos que consomem energia, designadamente por eletrólise e reformação por vapor, que dão origem ao hidrogénio verde e cinzento, respetivamente. A eletrólise usa eletricidade (de preferência de origem renovável) e água para separar o hidrogénio do oxigénio, sendo assim o hidrogénio a forma mais eficiente de armazenar energia produzida por fontes renováveis. Já a reformação por vapor acontece quando os hidrocarbonetos das fontes de energia fóssil se decompõem, com vapor de água, a alta temperatura e na presença de um agente catalisador, para se obter hidrogénio.

O hidrogénio pode até ser obtido até das enzimas contidas nas algas, mas as principais fontes para a sua produção são a água, biomassa, biogás, biodiesel, amoníaco, gás natural e outros hidrocarbonetos, hidretos de lítio, cálcio, sódio, entre outros. A energia contida em 1 kg de hidrogénio equivale a 2,84 kg de gasolina, enquanto a energia elétrica gerada por 1 kg de hidrogénio é de 12 kWh, equivalente à energia armazenada em 30 baterias de 12V.

O que significam as cores do hidrogénio?

Cinzento

Hoje em dia, mais de 90% do hidrogénio produzido no mundo resulta da reformação por vapor. Na prática, passa por colocar gás natural, diesel ou carvão a altas temperaturas, num processo em que estes combustíveis vão reagir com o vapor de água e produzir hidrogénio. Trata-se de um processo altamente poluente que emite sete toneladas de dióxido de carbono por cada tonelada de hidrogénio. Ao fim de um ano são 490 milhões de toneladas de CO2 emitidas para a atmosfera. Por esta razão, chama-se cinzento ao hidrogénio obtido por este processo. O seu custo pode variar, mas de acordo com a Agência Internacional de Energia a média situa-se em 1,5 dólares por cada kg de hidrogénio.

Azul

Apesar de também ser obtido pelo menos processo de reformação por vapor, o hidrogénio azul é menos poluente do que a versão cinzenta do gás, já que é obtido a partir do gás natural com o CO2 produzido no processo a ser capturado, armazenado e enterrado no solo, em vez de emitido para a atmosfera. Trata-se de um passo intermédio, entre o hidrogénio cinzento e verde, mais rápido e menos dispendioso para as grandes indústrias altamente poluentes e dependentes de hidrogénio.

Grandes produtores de gás natural, como o Equinor ASA da Noruega, vieram já garantir que podem produzir hidrogénio azul de baixas emissões para substituir os combustíveis fósseis, capturando e armazenando o dióxido de carbono libertado no processo. De acordo com o Bloomberg New Energy Finance, capturar e armazenar carbono pode reduzir a intensidade de carbono do hidrogénio produzido a partir de gás natural em cerca de 90%. Mas, ao mesmo tempo, também aumenta o custo de produção e o consumo de combustíveis fósseis. De acordo com o Global CCS Institute, citado pela Bloomberg, cada kg de hidrogénio azul custa 2,40 dólares.

Verde

O hidrogénio verde é a nova coqueluche da União Europeia e de países como Portugal, Alemanha e Holanda, entre outros. É produzido por eletrólise, em equipamentos chamados eletrolisadores, com recurso a energia elétrica e água (H2O) para separar as moléculas de hidrogénio (H2) e o oxigénio (O2), através da corrente elétrica. A questão é que para este hidrogénio ser totalmente descarbonizado, a eletricidade utilizada não pode ser proveniente de fontes fósseis, como o carvão ou o gás natural, mas sim renováveis: eólica, solar ou hídrica.

As tecnologias para produzir este tipo de hidrogénio começam agora a ser desenvolvidas e implementadas, estando ainda longe de uma capacidade de produção em larga escala necessárias para abastecer as necessidades mundiais. O seu preço ainda é caro: até 7,50 dólares por kg, de acordo com as estimativas do Global CCS Institute. Diz a Bloomberg New Energy Finance que o hidrogénio verde pode custar menos de um terço do que hoje em 2050.

E quais são as vantagens do hidrogénio?

De acordo com a Associação para a Promoção do Hidrogénio, a principal vantagem deste gás é que “pode ser produzido a partir de diversas fontes de energia (combustíveis fósseis, energia nuclear, energias renováveis), com uma razoável eficiência, e desperdiçando pouca energia”. É também facilmente conversível em calor e energia elétrica, tem a vantagem de ser transportável e armazenável em grande escala (face à eletricidade), manuseado de forma segura é um combustível seguro, apesar de muito inflamável.

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