Redeployment: partilhar para evitar despedimentos e lay-off. Um win-win para empresas, trabalhadores e Estado

O conceito é simples: quem tem excesso de mão-de-obra, cede trabalhadores. Quem tem falta dela, recebe-os. A empresa em crise reduz os encargos e os trabalhadores permanecem ativos.

Em Portugal, para evitar despedimentos e manter o nível do emprego, adotou-se o lay-off simplificado que, aliás, tem sido uma medida implementada por várias empresas durante a pandemia da Covid-10. À semelhança deste regime, em Espanha, criou-se o Expediente de Regulação Temporal de Emprego. Em França adicionou-se o chômage partiel. E na Alemanha utilizou-se o kurzarbeit.

Os nomes variam e as especificidades também, mas, em todos os casos, o modelo é semelhante. Os contratos de trabalho suspendem-se, ou reduz-se o período normal de trabalho, e o Estado comparticipa no pagamento de uma parte do salário do trabalhador. É assim que as empresas têm “resolvido” o problema de excesso de mão-de-obra.

No entanto, nem todos os empresários se contentam com este modelo mais tradicional. Noutras geografias do globo têm sido testados outros modelos, mais criativos, modernos e que prometem ser um win-win para todos os intervenientes. É o caso de redeployment.

Redeployment versus lay-off

Trata-se de um conceito baseeado na economia de partilha business-to-business (B2B), recentemente criado para ilustrar a partilha de colaboradores entre empresas. Quer isto dizer que as empresas que, em tempos de crise, têm excesso de mão-de-obra podem recorrer ao redeployment para ceder os seus colaboradores às organizações que, excecionalmente, estão com falta de colaboradores. Desta forma, a empresa que está a passar por maiores dificuldades económicas pode manter os seus recursos ativos e totalmente utilizados.

O redeployment surge, assim, como uma nova forma de gerar receitas, reduzir o desperdício e, ao mesmo tempo, ampliar o impacto positivo na sociedade, já que, segundo os defensores deste modelo e os especialistas ouvidos pela Pessoas/Advocatus, pode mesmo ser uma alternativa ao lay-off e a despedimentos coletivos.

“O lay-off baseia-se na imposição unilateral da redução do período normal de trabalho ou na suspensão do contrato de trabalho em caso de crise empresarial, ou seja, a vontade do trabalhador não é tida em consideração”, começa por explicar Guilherme Dray, sócio da Macedo Vitorino & Associados.

"A grande diferença é que, enquanto no regime do lay-off o trabalhador reduz ou suspende a sua atividade profissional – mesmo contra a sua vontade, com os custos pessoais e sociais inerentes -, no redeployment, ele tem a possibilidade, querendo, de continuar a desenvolver as suas capacidades e aptidões profissionais.”

Guilherme Dray

Sócio da Macedo Vitorino & Associados

Já no caso do redeployment, a vontade do trabalhador é determinante, uma vez que todo o processo tem de ser voluntário. “Em ambos os casos há uma necessidade de reduzir a atividade do trabalhador da empresa que está em crise. A grande diferença é que, enquanto no regime do lay-off o trabalhador reduz ou suspende a sua atividade profissional – mesmo contra a sua vontade, com os custos pessoais e sociais inerentes -, no redeployment, ele tem a possibilidade, querendo, de continuar a desenvolver as suas capacidades e aptidões profissionais”, afirma o especialista em direito do trabalho.

É uma espécie de puzzle gigante partilhado, em que um dos puzzles tem uma peça a mais e que, por sua vez, encaixa perfeitamente no puzzle vizinho, a quem está, precisamente, a fazer-lhe falta. Quer isto dizer que, em vez de o colaborador ficar impedido de trabalhar, ganha a possibilidade de ser recolocado numa empresa que está disposta a acolhê-lo.

Para Pedro da Quitéria Faria, advogado especialista em direito laboral e sócio da Antas da Cunha Ecija, o conceito de redeployment tem como vantagem para as empresas “a possibilidade de estas se adaptarem e evoluírem, permanecendo competitivas, produtivas e a cumprir os objetivos estratégicos”. “Essa mudança significa remodelar e reformatar a força de trabalho, ainda que de forma temporária, para dar suporte a essas necessidades em detrimento de assumirem como primeira medida um lay-off prolongado ou mesmo um despedimento coletivo”, considera.

Empresa, colaborador e Estado. Todos ganham

Além das vantagens apontadas, tanto para a empresa como para o trabalhador, Guilherme Dray salienta que, em termos de sustentabilidade da Segurança Social, este regime “é obviamente mais favorável”. Também Pedro da Quitéria Faria considera que o redeployment é uma “forma de equilibrar o mercado de trabalho, colocando temporariamente trabalhadores nas empresas ou locais onde fazem mais falta, desonerando-se o Estado com custos nos apoios à manutenção de postos de trabalho”, diz. O trabalhador continua ativo, faz descontos para a Segurança Social e não é beneficiário de qualquer comparticipação financeira.

Para Miguel Pina Martins, CEO da Science4you, não há dúvida: “toda a gente ganha”. “Esta solução pode diminuir significativamente os custos nas empresas. Se a pessoa pode ir para outra organização trabalhar, não há custos de despedimentos. Neste caso, opto por não fazer um despedimento e, em vez disso, procuro quem pode contratar aquela pessoa, que deixa de ir para o desemprego. Já o Estado, por sua vez, não tem de pagar nada”, diz.

Na Science4you, o redeployment já foi, inclusivamente, ponderado como uma forma de reduzir custos. No entanto, a empresa de brinquedos e jogos educativos – que, com a pandemia, começou a produzir óculos de proteção e gel desinfetante -, não avançou com esta solução de sharing. “Tenho ideia de ser muito complicado de fazer em Portugal com a atual legislação”, refere o CEO.

Science4You produz óculos de proteção durante a pandemia de Covid-19 - 06ABR20

De facto, a complexidade prende-se com o facto de na lei portuguesa não encontrarmos nenhuma figura totalmente coincidente com o conceito de redeployment. “A figura mais aproximada que podemos encontrar é cedência ocasional de trabalhador, que consiste na disponibilização temporária de trabalhador, pelo empregador, para prestar trabalho a outra entidade, a cujo poder de direção aquele fica sujeito, mantendo-se o vínculo contratual inicial”, começa por explicar André David, of counsel da BLMP.

No entanto, a cedência ocasional de trabalhador “apenas poderá verificar-se em relação a trabalhador contratado sem termo e entre sociedades coligadas, em relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou entre empregadores que tenham estruturas organizativas comuns”, acrescenta.

Para que este conceito integrasse a lei portuguesa, era necessário algumas alterações. Para André David, a lei teria de ser alterada “no sentido de alargar a possibilidade de utilização da cedência ocasional a empregadores não relacionados entre si ou que, pelo menos, através de instrumento de regulamentação coletiva, se permitisse a cedência de trabalhadores entre empregadores filiados numa mesma associação patronal”.

Mas, alterações à parte, e ainda que a legislação portuguesa não contemple o redeployment, existem formas de fazê-lo. “Temos ferramentas e figuras jurídicas que permitem a operacionalização desta alternativa, nomeadamente o regime da cedência ocasional de trabalhadores, caso a cedência opere no mesmo grupo de empresas. Se a recolocação operar entre empresas que não pertencem ao mesmo grupo, haverá que recorrer a outras figuras previstas no Código do Trabalho (CdT), que permitem a suspensão do contrato na empresa de origem e a contratação do trabalhador na empresa que o vai receber”, explica Guilherme Dray.

Apesar de a lei portuguesa não estar preparada para o redeployment, o advogado especialista em direito laboral e sócio da Antas da Cunha Ecija considera que já existem regimes no nosso ordenamento jurídico laboral que, sofrendo algumas alterações de relevo, poderiam acomodar o conceito de redeployment. Alterações essas “no sentido de as liberalizar, suprimindo, por exemplo, a imposição legal de existência de relações de natureza societária ou de grupo”, diz.

“Evidentemente que qualquer alteração legislativa necessitaria da presença de todos os players laborais para que se conseguisse o equilíbrio e as garantias necessárias, que são vitais para a implementação de um conceito com esta natureza e ainda, de eficiente contratação coletiva, na medida em que poderiam ser celebrados instrumentos de regulamentação coletiva de índole negocial que curassem com especificidade o conceito, nomeadamente, os contratos coletivos e os acordos coletivos”, continua. “Sem todas estas sinergias não será possível darmos passos seguros na criação desta nova solução”, remata Pedro da Quitéria Faria.

O que diz quem já “emprestou” colaboradores?

Apesar de, em território nacional, serem ainda muito poucas as empresas que se atreveram a partilhar colaboradores, a Landing.jobs, startup portuguesa especializada em recrutamento em IT, já testou esta prática com um dos seus colaboradores.

“Há uns anos, a nível financeiro não estávamos muito bem e começámos a pensar que, ou algo mudava, ou teríamos de mandar alguém embora. Estávamos com um custo demasiado elevado na área de tecnologia, mas, às vezes, as coisas até são sazonais. Então o que fizemos foi emprestar um colaborador a outra empresa durante nove meses”, conta Pedro Oliveira, cofundador da Landing.jobs.

Pedro Oliveira, cofundador da Landing.jobsLanding.jobs

“A pessoa ainda fazia parte da Landing.jobs, tinha contrato laboral connosco, mas teve dois projetos para fora. Quando terminaram esses projetos, o colaborador voltou a trabalhar connosco”, refere, acrescentando que isto só foi possível porque a pessoa em questão se mostrou totalmente disponível.

“Como é óbvio, o colaborador podia recusar, mas, por norma, acho que as pessoas não recusam. Existe bom senso. A empresa está a fazer de tudo para evitar o lay-off ou até o despedimento, continuando, apesar de optar por outra maneira, com os seus colaboradores”, diz o cofundador Landing.jobs e, mais recentemente, da Future.Works.

Apesar de ter sido vantajoso na altura, a Landing.jobs não tornou a aplicar esta solução, apesar de, durante a pandemia, ter voltado a equacioná-la. “Houve uma altura em que falámos novamente dessa possibilidade, mas depois conseguimos recuperar e não avançamos sequer. De momento, não faz sentido”, afirma.

Lá fora é bastante mais fácil encontrar exemplos, e a uma maior escala, com associações empresariais que vão mais longe. Em França, uma associação empresarial que agrega 300 pequenas empresas criou uma plataforma que permite a partilha de trabalhadores entre os associados. Já nos Estados Unidos, a plataforma People + Work Connect, lançada durante a pandemia por empresas de consultoria, agrega cerca de 265 empresas de 95 países e, desde março de 2020, já promoveu a partilha de mais de 400 mil postos de trabalho.

Associações de empresas ou empregadores

Voltando a Portugal, para que o redeployment ganhasse, de facto, outra importância e interesse por parte dos empregadores, seria, também, “naturalmente necessário que se criassem associações de empresas ou de empregadores, por exemplo através do recurso a plataformas digitais, que se dedicassem e permitissem, dentro de um quadro legal regulado e garantístico para os trabalhadores, a partilha ou cedência temporária de trabalhadores e do seu tempo de trabalho”, considera Pedro da Quitéria Faria.

"Na prática, assistiríamos a uma manutenção significativa de emprego em detrimento da sua destruição através de processos de despedimento coletivo ou de largos períodos de manutenção em processos de lay-off, em muitos dos casos com suspensão de laboração.”

Pedro da Quitéria Faria

Advogado especialista em direito laboral e sócio da Antas da Cunha Ecija

“Estes, no final desse período, e já depois de terem adquirido novas competências profissionais, poderiam escolher entre o retorno ao empregador primitivo cedente ou ao cessionário. Na prática, assistiríamos a uma manutenção significativa de emprego em detrimento da sua destruição através de processos de despedimento coletivo ou de largos períodos de manutenção em processos de lay-off, em muitos dos casos com suspensão de laboração”, continua.

Para Pedro Oliveira, uma das principais barreiras na prática do redeployment passa, precisamente, pela falta de conhecimento. “Às vezes, o mais difícil é encontrar esse matching entre projetos. Tem de haver um alinhamento entre o triângulo: a empresa para quem trabalha tem de pagar as contas, o trabalhador tem de aceitar e gostar do novo projeto e a empresa que está a contratar tem, de facto, de ter necessidade. Tem de haver um pico de trabalho”, diz o cofundador da empresa do setor tecnológico. Na sua opinião, neste momento, esse matching não acontece da forma mais eficiente, bem como “não há volume suficiente no mercado para vir uma solução e colmatar este problema”.

Aproximações ao conceito de redeployment

Em Portugal, a partilha de colaboradores acontece, sobretudo, entre empresas do próprio grupo. É o caso do grupo Jerónimo Martins que, durante a pandemia, moveu alguns trabalhadores, temporariamente, das cafeterias Jeronymo para as lojas Pingo Doce. Apesar de não ter sido num número muito significativo – tendo em conta a dimensão do grupo -, o processo serviu para manter perto de uma centena de colaboradores ativos.

Também na Science4you alguns trabalhadores saíram das lojas, que se encontravam encerradas durante a quarentena obrigatória. No entanto, não mudaram sequer de empresa, passaram, antes, a desempenhar outras funções dentro da Science4you, que, com a produção a baixar consideravelmente, adaptou os seus recursos humanos e técnicos à nova realidade e agarrou novas oportunidades para manter a empresa a funcionar.

A partilha de colaboradores, no seu significado mais lato, leva-nos, também, ao conceito de serviços centralizados ou serviços partilhados, uma prática mais conhecida e utilizada pelas empresas. “Neste momentos, atentos aos desafios que estamos a viver, infelizmente, o redeployment não tem sido uma solução. Nos nossos hotéis temos abraçado mais as oportunidades ao nível de cluster”, diz Vítor Silva, diretor de recursos humanos do InterContinental Lisbon.

“Mais do que a partilha de colaboradores, trata-se de serviços partilhados, criar sinergias e serviços centralizados como oportunidades na gestão”, acrescenta. Esta cooperação, embora não seja exclusiva de períodos de crise, permite às empresas alcançarem sinergias que dificilmente se desenvolveriam se trabalhassem isoladas.

“Os serviços de gestão financeira, gestão de recursos humanos, gestão comercial, reservas e estratégica para os hotéis InterContinental Lisbon e InterContinental Cascais-Estoril estão centralizados em Lisboa. A mesma equipa coordena, entre outros, a estratégia e os processos de trabalho para duas empresas, otimizando, assim, recursos humanos e financeiros. O mesmo temos em vigor com os nossos hotéis do Porto, entre o Crowne Plaza Porto e o InterContinental Porto”, explica o responsável pela gestão de pessoas.

Negociação e seleção de fornecedores, desenvolvimento de canais de informação privilegiados, gestão estratégica, uniformização de políticas e práticas de trabalho, consistência, qualidade e eficácia são, para Vítor Silva, as principais vantagens competitivas da partilha de talentos e do capital humano.

“Uma mudança que chip que abra novos horizontes e soluções”

Apesar dos desafios que apresenta, criar, ao nível legislativo, uma figura para o redeployment seria, para Miguel Pina Martins, “muito interessante”. “Criada uma legislação apropriada, o redeployment tem muito potencial”, diz o CEO da Science4You.

Mas, para que se justifique a criação desta figura e a sua autonomização legal, é preciso que se chegue à conclusão que o redeployment pode ser, de facto, uma boa solução para o trabalhador, para a empresa que está em crise e para aquela que recebe o trabalhador. “Em qualquer caso, qualquer intervenção legislativa que eventualmente ocorra, deve basear-se na natureza voluntária da figura e não na sua imposição ao trabalhador. O redeployment deve envolver todas as partes (cedente, cessionário e trabalhador) e ser uma boa solução para todos”, reforça o sócio da Macedo Vitorino & Associados.

"Criada uma legislação apropriada, o redeployment tem muito potencial.”

Miguel Pina

CEO da Science4You

Já para Pedro da Quitéria Faria, trata-se de um instrumento que, também em Portugal, deveria ser pensado com maior profundidade. “Existem seguramente trabalhadores que, no atual contexto, não se encontram a laborar em virtude de um lay-off com suspensão, e que a sua força de trabalho e skills poderiam ser extremamente úteis para empresas que, em virtude desse mesmo contexto, necessitam urgentemente de mão de obra qualificada”, considera.

Para que tal acontecesse, o advogado especialista em direito laboral e sócio da Antas da Cunha Ecija diz, contudo, que seria absolutamente necessário existir uma mudança de paradigma e de consciência das entidades empregadoras, bem como do legislador. “Sem essa mudança de chip que abra novos horizontes e soluções, este fenómeno estará condenado ao insucesso. Não será com certeza uma tarefa fácil”, remata.

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