Economistas alertam para impacto do plano protecionista de Donald Trump numa Europa com crescimento anémico, admitindo mesmo uma recessão no euro. BCE poderá ter de agir.
“O pior pesadelo económico da Europa tornou-se realidade”. A afirmação consta de uma nota de research dos economistas do banco ING sobre a vitória de Donald Trump, ex-presidente norte-americano que reconquistou a Casa Branca, mas espelha o tom com que diversos analistas explicam o impacto económico da vitória do republicano que destronou o Partido Democrata.
Perante uma Europa que enfrenta um fraco crescimento económico – o Produto Interno Bruto (PIB) da Zona Euro cresceu 0,4% no terceiro trimestre deste ano, face ao trimestre anterior, e 0,9% em termos homólogos, segundo dados do Eurostat -, a vitória do republicano protecionista poderá levar mesmo a uma recessão no euro no próximo ano.
Depois do que parecia ser uma disputa renhida, Donald Trump conseguiu uma vitória decisiva sobre a candidata democrata Kamala Harris e deverá tornar-se o primeiro Presidente republicano a vencer o voto popular em 20 anos. O Partido Republicano conseguiu já assegurar a maioria no Senado e também vai à frente na contagem para a Câmara dos Representantes, pelo que não será difícil fazer passar as suas propostas.
“Uma nova guerra comercial iminente poderá empurrar a economia da Zona Euro de um crescimento lento para uma recessão total“, consideram os analistas do ING, numa nota divulgada na quarta-feira. A imposição de tarifas é desde sempre uma das bandeiras de Donald Trump na corrida à liderança da maior economia mundial e terá um impacto direto quer no comércio internacional, quer na economia. Por um lado, tarifas mais altas sobre as exportações reduzem a procura externa e, por outro, sobre as importações aumenta os custos internos de produção.
“Uma nova guerra comercial eminente poderá empurrar a economia da Zona Euro de um crescimento lento para uma recessão total”, alertam economistas do ING.
Em outubro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estimou que se os Estados Unidos, a Zona Euro e a China impusessem tarifas de 10% sobre os fluxos comerciais entre as três regiões – e os norte-americanos sobre as restantes regiões também -, o impacto abrangeria cerca de um quarto do comércio mundial de mercadorias e afetaria cerca de 6% do PIB mundial.
“Se os aumentos de tarifas se materializarem poderão desencadear retaliações por parte de outras economias, levando a uma guerra comercial que, no pior dos cenários, poderá levar os EUA a uma recessão“, assinalam economistas da Allianz GI num comentário divulgado na quarta-feira. O FMI, por exemplo, estimou no World Economic Outlook que o PIB norte-americano pode, neste cenário, contrair-se 0,4% em 2025 e em 0,6% em 2026. A instituição de Bretton Woods reviu, em outubro, em baixa o crescimento da Zona Euro para 0,8% este ano e 1,2% em 2025.
No caso europeu, a economia alemã que já está em dificuldades, tem no mercado americano um importante cliente e seria particularmente atingida pelas tarifas sobre os automóveis europeus. Economistas do instituto de economia alemã IW estimam, numa nota de research, que a Alemanha poderá enfrentar uma perda de PIB de mais de 127 mil milhões de euros (a preços constantes de 2020) durante mais um mandato de quatro anos de Trump.
Em resposta à ameaça do sucessor de Joe Biden, a União Europeia começou a desenvolver uma contra-estratégia no verão: se Trump aumentar as tarifas de importação para 10%, a UE contra-atacará com aumentos tarifários equivalentes, recorda o instituto IW. “Se ambos os lados aumentassem as tarifas de importação para 20% devido a uma guerra comercial, isto custaria à economia alemã 180 mil milhões de euros. Significa que o PIB alemão seria 1,5% inferior no final do mandato do republicano“, calculam.
Alemanha poderá enfrentar uma perda de PIB de mais de 127 mil milhões de euros (a preços constantes de 2020) durante mais um mandato de quatro anos de Trump, estima o alemão IW.
Para o ING, “embora as tarifas possam não ter impacto na Europa até ao final de 2025, a renovada incerteza e os receios de uma guerra comercial poderão levar a economia da Zona Euro à recessão” no fim do ano.
A imposição de tarifas generalizadas de 10-20% que Trump propôs continua a não ser o cenário base dos analistas do Goldman Sachs, mas numa nota de research de quarta-feira, admitem que existe 40% de probabilidade que se concretize. “Esperamos que as tarifas automóveis entrem em foco e assumimos tarifas sobre as importações de automóveis da UE, embora isto possa ser aplicado de forma mais generalizada“, referem. Os analistas estimam que esta combinação de políticas tarifárias irá dar um “impulso único à inflação subjacente do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que atinge um pico de 30-40 pontos de base”, contudo, um “impacto modesto” no PIB.
“Embora as tarifas possam não ter impacto na Europa até ao final de 2025, a renovada incerteza e os receios de uma guerra comercial poderão levar a economia da Zona Euro à recessão”, prevê ING.
Por outro lado, os analistas do ABN- AMRO esperam que o plano protecionista de “Trump tenha um impacto substancial na já frágil economia da Zona Euro”, contudo, esperam que “os efeitos inflacionistas para a Europa serão mais limitados“.
“Isto poderá desencadear um ciclo de corte de taxas ainda mais acelerado por parte do Banco Central Europeu (BCE) e provavelmente levará a uma maior divergência entre as taxas diretoras dos EUA e da Europa”, anteveem, considerando mesmo que os governos europeus poderão precisar de avançar com medidas de estímulo orçamental para impulsionar o crescimento, aumentando ainda mais “os já historicamente elevados défices na Europa”.
O impacto na política monetária da Zona Euro poderá, no entanto, chegar ainda antes de Donald Trump tomar posse em janeiro. Os economistas do banco ING acreditam que com estes resultados eleitorais “tornou-se mais provável um corte de 50 pontos base na taxa de juros na reunião do BCE de dezembro“, tendo expectativas de que a taxa de depósito caia para pelo menos 1,75% no início do verão seguido de uma maior flexibilização no final de 2025.
Ademais, a Europa poderá ainda enfrentar um desafio acrescido no financiamento da defesa europeia, “uma vez que as ameaças do Presidente Trump de retirar a proteção aos países europeus no caso de um ataque russo ou de continuar a apoiar a Ucrânia levantam a possibilidade de os países da UE necessitarem de afetar mais fundos para estabelecer um sistema de defesa europeu”, recordam os analistas do ABN- AMRO.
Economistas admitem crescimento económico dos EUA a curto prazo
A conquista do Partido Republicano em várias frentes promete facilitar a vida a Trump para implementar a sua agenda política. “Prometeu reduzir ainda mais os impostos e a regulamentação, ao mesmo tempo que aumenta as tarifas e restringe a imigração, cuja combinação será reflacionária para a economia dos EUA“, destaca George Brown, economista sénior da Schroders, numa nota divulgada quarta-feira. Ainda assim, a gestora de ativos irá aumentar as previsões de crescimento norte-americano acima do consenso de 2,1% para 2025.
Se para a Europa os ventos podem soprar em sentido contrário, para a economia norte-americana pode vir aí, assim, um ‘boom’ no curto prazo, admitem os economistas. Os analistas da Allianz GI preveem que as propostas do futuro 47º presidente dos Estados Unidos “poderão impulsionar o crescimento a curto prazo bem como os lucros das empresas dos EUA“, particularmente as empresas de pequena dimensão e os setores energético e financeiro.
Uma posição partilhada pelos analistas do ING. “No curto prazo, a perspectiva de impostos mais baixos e de um ambiente favorável aos negócios deverá manter o sentimento relativamente firme e o apetite pelo risco dinâmico“, apontam. No entanto, consideram que “as perspectivas de crescimento a médio e longo prazo sob a sua presidência são mais incertas“, justificando que “a redução da imigração e a repatriação forçada poderão tornar-se um grande constrangimento para a economia dos EUA, especialmente em indústrias como a agricultura”.
“Se a força de trabalho estrangeira também diminuir, poderá criar desafios significativos do lado da oferta, aumentando os salários e a inflação. Para contrariar esta situação, a produtividade teria de aumentar substancialmente. Além disso, menos pessoas activas no país significariam uma redução da procura económica“, argumentam.
“Dada a nossa opinião de que a taxa neutra se situa em torno de 3,50%, o regresso de Trump à Casa Branca provavelmente significa que a Fed precisa de manter as taxas acima deste nível”, refere economista da Schroders.
Um alerta partilhado pelos analistas do ABN- AMRO, que realçam que, neste caso, a Reserva Federal norte-americana (Fed) seria forçada a “reagir aumentando as taxas ou pelo menos mantendo-as mais elevadas por mais tempo”. Para George Brown, da Schroders, também “a inflação também deverá revelar-se mais rígida”, pelo que a Fed não irá avançar com “tanta flexibilização” como indicou que faria.
“Dada a nossa opinião de que a taxa neutra se situa em torno de 3,50%, o regresso de Trump à Casa Branca provavelmente significa que a Fed precisa de manter as taxas acima deste nível“, refere.
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Será o regresso de Trump à Casa Branca o “pior pesadelo económico da Europa”?
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