Valorização “magnífica” das tecnológicas faz temer regresso de bolha

A fasquia está mais elevada para as grandes tecnológicas continuarem a brilhar em bolsa. As contas da Nvidia deram novo alento às Sete Magníficas, mas os indicadores de bolha estão a intensificar-se.

Depois de valorizações magníficas em 2023, as ações das grandes tecnológicas norte-americanas continuam a brilhar este ano, desafiando os alertas crescentes de que poderá estar a ser formada uma bolha prestes a rebentar. As opiniões entre analistas e investidores dividem-se, existindo argumentos fortes para cenários otimistas e pessimistas.

Os múltiplos elevados com que negoceiam as ações das Big Tech sugerem que estão caras perante as atuais perspetivas de evolução dos resultados. Por outro lado, o enorme potencial disruptivo da Inteligência Artificial pode ainda não estar refletido nas cotações atuais e as companhias têm publicado contas acima do estimado pelos analistas.

Os resultados publicados pela Nvidia esta quarta-feira reforçaram a narrativa dos que defendem que o potencial das grandes tecnológicas está longe de estar esgotado. A fabricante de chips aumentou as receitas do quarto trimestre em 265% para 22,1 mil milhões de dólares, com a empresa a conseguir transformar mais de metade das vendas em lucros (aumentaram 769% para 12,29 mil milhões de dólares).

Os resultados voltaram a superar largamente as expectativas dos analistas e a Nvidia reviu em 9% as estimativas de receitas para o primeiro trimestre deste ano para 24 mil milhões de dólares (face aos 22 mil milhões de dólares antes), indicando que a procura pelos seus produtos continua bem acima da capacidade de produção e que a Inteligência Artificial está a atingir um “ponto de viragem”.

Desempenhos “magníficos”

Após a reação positiva aos resultados, a empresa liderada por Jensen Huang passou a marcar um ganho acumulado de 63% em 2024, uma performance que reforça o estatuto de estrela entre as Sete Magníficas, acrónimo atribuído às sete maiores tecnológicas dos EUA que foram as grandes responsáveis pelas valorizações exuberantes de Wall Street em 2023 e conduziram o índice S&P 500 a máximos históricos no arranque deste ano. Na sessão de quinta-feira as ações dispararam 16%, adicionando 277 mil milhões de dólares à capitalização bolsista, o que representa um recorde.

O índice que mede o desempenho das ações da Alphabet, Amazon, Apple, Meta Platforms, Microsoft, Nvidia e Tesla mais do que duplicou no ano passado e já marca valorizações em torno de 10% em 2024. O S&P 500 subiu 25% em 2023 e este ano ganha 6,7%. Atribuindo o mesmo peso a todas as cotadas, o índice S&P 500 Equal Weighted subiu 11,6% no ano passado e avança apenas 2,2% em 2024.

Com uma valorização de 48%, a Apple registou o desempenho mais fraco entre as Sete Magníficas no ano passado. A Meta Plataforms quase triplicou de valor e a Nvidia disparou 239%. A tendência altista é menos generalizada em 2024, com a Tesla (-20%) e a Apple (-1%) a sofrerem o impacto de resultados pouco brilhantes no quarto trimestre. As outras cinco têm um saldo anual positivo.

As Sete Magníficas são um conjunto de empresas focado em setores com diferentes estágios de maturação, pelo que a dispersão de desempenhos entre elas deverá verificar-se no futuro”, salienta Eduardo Monteiro. O responsável da área de gestão Wealth Solutions da BPI Gestão de Ativos destaca que a “Nvidia surpreendeu pela dinâmica de crescimento, fruto da inteligência artificial generativa, e a Meta, ao nível de custos e pela introdução do pagamento do primeiro dividendo”. Já a Tesla “desiludiu em virtude de margens inferiores ao esperado”.

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A capitalização bolsista conjunta das Sete Magníficas já supera os 13 biliões de dólares, um valor suficiente para dar a estas cotadas o estatuto de segunda maior bolsa do mundo. Supera o valor de todas as cotadas na China e mais do que duplica a capitalização bolsista de todas as empresas da bolsa do Japão. A Microsoft ou a Apple, sozinhas, têm um valor de mercado idêntico à capitalização bolsista das bolsas de França, Arábia Saudita ou Reino Unido, superando o valor das sete empresas europeias mais valiosas.

Fernando Castro e Solla acrescenta que o valor de mercado destas sete empresas supera o PIB conjunto das quatro maiores economias europeias (Alemanha, Reino Unido, França e Itália). São dados “impressionantes”, e “sendo certo que a comparação direta de capitalização e PIB não é justa, não deixa, no entanto, de ser uma ajuda para pôr em contexto, e em escala, a dimensão do valor atribuído pelo mercado àquele conjunto de empresas”, adianta o partner da consultora de investimentos Baluarte.

No que diz respeito à geração de lucros, a discrepância não é tão evidente, mas os números também mostram o porquê destas companhias serem conhecidas por Sete Magníficas. Segundo os cálculos do Deutsche Bank, estas sete cotadas consolidaram lucros de 361 mil milhões de dólares nos últimos 12 meses, o que só é superado pelas bolsas da China e Japão. Como mostram os gráficos em baixo elaborados pelo banco alemão, as Sete Magníficas registam o dobro dos lucros de todas as cotadas da Alemanha. A Apple sozinha apresenta lucros 40% acima do registado pelas sete maiores companhias europeias.

gráfico deutsche bank magnificas

Os resultados do quarto trimestre apresentados nas últimas semanas deram força ao comportamento positivo das ações, com a generalidade dos números a ficar acima do estimado pelos analistas.

As receitas agregadas das sete companhias totalizaram 522 mil milhões de dólares, o que representa um crescimento de 14% face o período homólogo. Todas aumentaram este indicador, com a Apple a colocar fim a uma série de evoluções negativas que começavam a preocupar os analistas.

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Bank of America alerta para pré-bolha

Foi Michael Hartnett que apelidou este conjunto de tecnológicas de “Sete Magníficas”, inspirando-se num western dos anos da década de 1960, intitulado “Os Sete Magníficos”, que, por sua vez é uma adaptação do filme “Os Sete Samurais”. Este estratego do Bank of America, um dos mais reputados de Wall Street, debruçou-se recentemente sobre a evolução destas empresas. As conclusões podem fazer os investidores “levantar o sobrolho”, mas sem motivos para um alarme exagerado.

Hartnett adverte que uma série de semelhanças entre o desempenho atual das ações das Big Tech e bolhas anteriores sugere que as Sete Magníficas estão a aproximar-se do nível em que esta pode rebentar. Contudo, ainda não chegaram lá, de acordo com a análise a três indicadores e a comparação com as bolhas das ações japonesas dos anos da década de 1980, as dotcom no início do século e as FAANG no início da década.

O analista do Bank of America assinala que só quando a yield real (descontada da inflação) das obrigações dos EUA a 10 anos superar os 2,5% é que os investidores vão esquecer a euforia da Inteligência Artificial. Mesma a valorização de 139% registada desde os mínimos é bem inferior à que se verificou quando rebentaram outras bolhas, como é evidente nesta tabela da Bloomberg com base no estudo do Bank of America.

No que diz respeito às avaliações, Hartnett reconhece que as “ações não estão baratas”, mas o PER (price earning ratio) é substancialmente inferior ao registado em bolhas anteriores. Ao negociarem com uma cotação que corresponde a 45 vezes os lucros estimados para os próximos 12 meses, será preciso esperar quase meio século para os investidores recuperarem o investimento, isto no cenário teórico de estas cotadas distribuírem todos os lucros aos acionistas.

Dentro deste lote de sete cotadas, existem avaliações bem distintas. Enquanto a Nvidea negoceia com uma cotação que equivale a 56 vezes os lucros estimados, empresas como a Apple e a Alphabet apresentam um PER bem mais normal (abaixo de 30). Uma discrepância explicada pelo facto de estas duas empresas terem um negócio bem mais maduro do que a fabricante de chips, a quem o mercado atribui um potencial de crescimento bem mais alto.

“Não é possível encontrar um fator comum de exigência dos investidores para com um universo que é, no essencial, bastante heterogéneo. É certo que o tema da Inteligência Artificial as toca a todas”, mas “o tempo é agora de provar o potencial com resultados”, refere Fernando Castro e Solla.

Com os atuais múltiplos de avaliação, os investidores esperam que estas empresas consigam entregar resultados acima do esperado, pelo que este será o principal fator que irá marcar a evolução” das Sete Magníficas, refere Eduardo Monteiro, salientando que “a pressão regulatória destes players dominantes tem potencial de afetar de forma significativa a evolução destas empresas”.

O PER destas empresas já esteve em níveis mais elevados no final de 2021, sendo que para novos decréscimos será necessária uma queda das cotações e/ou uma melhoria nas expetativas de resultados. Apesar da fasquia estar cada vez mais elevada para estas cotadas e a margem para surpreender ser mais diminuta, os investidores mostram-se disponíveis para pagar este prémio por acreditarem que as Sete Magníficas vão continuar a apresentar um desempenho superior ao resto do mercado.

Esta expectativa está explícita em dois dos relatórios habituais que são assinados por Hartnett e têm bastante impacto em Wall Street. A sondagem mensal do Bank of America a gestores de ativos e analistas dá conta que o investimento nas grandes tecnológicas continua a ser a aposta considerada mais promissora pelos investidores. A análise aos fluxos de investimento globais por ativos e geografias evidencia que o dinheiro continua a direcionar-se a um ritmo elevado para as Sete Magníficas.

Os analistas também estão otimistas. As avaliações destas sete cotadas foram melhoradas em 13% nos últimos seis meses e os preços-alvo médios atribuem potencial de valorização a todas as Magníficas. Só a Tesla e a dona do Facebook é que apresentam uma margem de ganhos adicionais de apenas um dígito, sendo que na Nvidia está próxima dos 20%, mesmo antes de os analistas incorporarem os brilhantes resultados do quarto trimestre nas suas estimativas.

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Argumentos a favor e contra o domínio das Magníficas

No estudo recente onde analisa o desempenho das Sete Magníficas, o Deutsche Bank destaca que a concentração na bolsa norte-americana está no nível mais elevado desde a década de 1970, altura em que o peso das cinco maiores cotadas que eram conhecidas por Nifty Fifty (IBM, AT&T, Exxon, Eastman Kodak e GM) também andava em redor de 25%. O banco alemão elenca os vários fatores que jogam a favor e contra a manutenção deste domínio das Sete Magníficas.

“As Big Tech dependem do efeito de rede. Têm margem substancial para crescer devido ao alcance global e poder de inovação muito elevado”, diz o Deutsche Bank, acrescentando o argumento de que os “EUA têm o incentivo para promover grandes empresas de tecnologia para assim combater ameaças tecnológicas a nível geopolítico e militar”.

O banco alemão acrescenta que a Inteligência Artificial “está apenas na infância” e as “Sete Magníficas já são mais rentáveis do que muitos países de elevada dimensão” e “transcendem fronteiras de uma forma nunca vista na história”, pelo que a situação “não é comparável” com a bolha das ‘dotcom’ em 2000.

Pela negativa, o Deutsche Bank assinala que “estão a aumentar as ações dos reguladores contra as grandes tecnológicas” e o “escrutínio público sobre a Inteligência Artificial pode intensificar-se”. A geopolítica e a globalização podem representar uma ameaça, tal como “sabotagens acidentais ou deliberadas na infraestrutura”.

O banco alemão alerta ainda que a “concorrência pode aumentar”, “ninguém ainda sabe como a Inteligência Artificial se vai desenvolver” e “que empresas sairão vencedoras”. Além disso, “a tecnologia muda rapidamente ao longo do tempo” e as “atuais avaliações significam que as Sete Magníficas vão vencer sempre”.

O domínio da economia norte americana e das suas empresas cotadas não deve fazer esquecer o potencial de valorização (e respetivo valor diversificador) dos investimentos noutras geografias. Vale a pena procurar as oportunidades que resultam de outros processos estruturais em curso.

Fernando Castro e Solla, partner da consultora de investimentos Baluarte

Elevada concentração é risco para Wall Street

Destacando o enorme mérito destas empresas, Fernando Castro e Solla assinala que “o seu comportamento em bolsa não está isento de risco”, enumerando uma série deles. Desde logo o elevado nível de concentração, que “traz à memória os tempos da bolha das dotcom no início deste século”.

O “exponencial crescimento da indústria passiva de gestão de ativos” potencia a formação de bolhas no mercado. Além disso, o “crescimento dominador” destas empresas “pode tender a destruir a concorrência e conduzir a desequilíbrios económicos e de poder que, a serem corrigidos pelas autoridades, levarão inexoravelmente a que o preço seja pago pelo acionista”, refere o partner da Baluarte, considerando este o “maior risco a longo prazo”.

A generalidade dos analistas também tem este tom de otimismo cauteloso com as Sete Magníficas. O Goldman Sachs, que nunca escondeu o entusiasmo com o potencial da Inteligência Artificial, avisou que para manterem o domínio no mercado, as Big Tech têm de continuar a apresentar um forte crescimento nas receitas. A média das projeções dos analistas aponta para um incremento médio anual de 12% até 2026 nestas companhias, o que compara 3% para as restantes 493 cotadas que integram o S& P500.

Este banco de investimento destaca que o ganho anualizado de 28% que as Sete Magníficas conseguiram desde 2019 ficou a dever-se à melhoria dos fundamentais e não à expansão dos múltiplos, pelo que a tendência de alta das ações pode prosseguir se os resultados destas empresas continuarem a aumentar ao mesmo ritmo.

Se a forte dependência das Big Tech tem jogado a favor de Wall Street, num potencial movimento negativo a bolsa norte-americana pode pagar o preço do elevado peso das Sete Magníficas. O Citigroup alertou que o posicionamento muito elevado nas Big Tech deixa o mercado vulnerável a um sell off (movimento de quedas generalizadas).

Enquanto o norte-americano S& P500 transaciona a 25 vezes os lucros estimados para os próximos 12 meses, o europeu Stoxx 600 apresenta um PER bem mais atrativo (14 vezes). Uma evolução menos fulgurante dos resultados das Sete Magníficas e a manutenção das taxas de juro em níveis elevados representam ameaças à manutenção do domínio destas companhias.

“O domínio da economia norte americana e das suas empresas cotadas não deve fazer esquecer o potencial de valorização (e respetivo valor diversificador) dos investimentos noutras geografias”, refere o partner da Baluarte, acrescentando que “vale a pena procurar as oportunidades que resultam de outros processos estruturais em curso como seja, por exemplo, a desglobalização e a formação de uma nova ordem mundial multipolar, que promovem alguns setores específicos” como as infraestruturas e regiões como a Índia e o México.

(notícia atualizada às 15:00 de 23 de fevereiro com declarações de Eduardo Monteiro)

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