A Força Invisível que corrói os resultados do setor segurador
Nuno Oliveira Matos vaticina que os prémios do seguro automóvel vão subir 6% a 9% no próximo, apesar de se prever uma taxa de inflação de 2,4%. Explica as razões. Vão muito para além da matemática.
Imagine uma força invisível que empurra os preços para cima, mas que não aparece nas manchetes da economia. Não é a inflação dos bens ou da energia, que sentimos no supermercado. É mais subtil, mais profunda. É a inflação que nasce nos tribunais, nas redes sociais, na nossa perceção coletiva de justiça e na ideia de que as seguradoras têm bolsos fundos, sempre prontos a pagar. Chama-se inflação social e é a tempestade silenciosa que está a desafiar o setor segurador em Portugal.
Este conceito traduz-se no aumento dos custos com sinistros muito acima da taxa de inflação, alimentado pela psicologia social e por decisões judiciais imprevisíveis, acordos extrajudiciais desequilibrados e uma crescente severidade que escapa à lógica matemática do risco. Quando os cidadãos acreditam que têm direito a mais, quando os tribunais atribuem indemnizações cada vez mais elevadas, e quando os meios de comunicação amplificam cada caso, o custo de reparar um dano dispara. Quando oficinas deixam de reparar e passam a substituir peças inteiras, porque sabem que quem paga é a seguradora e ela pode pagar.
Esta inflação não é imaginária. Alimenta-se de mudanças reais. Uma sociedade mais litigante, um enquadramento legal em constante evolução e o poder das redes sociais para moldar expectativas. Nos Estados Unidos da América, já se fala em “veredictos nucleares”, sentenças milionárias com forte carga emocional. E este fenómeno já chegou à Europa e está a instalar-se em Portugal.
Os sinais são evidentes. As empresas de seguros portuguesas reportaram prejuízos de milhões no seguro do ramo automóvel. Os prémios vão subir entre 6% e 9% no próximo ano, muito acima da taxa de inflação de 2,4%. Porquê? Porque, para além dos custos de reparação e despesas médicas, há este fator invisível.
Para os atuários e especialistas de risco, este é um dilema longe de ser filosófico. Como medir algo que não tem índice oficial? A resposta tradicional é comparar o que aconteceu com o que se esperava. Mas, quando a realidade ultrapassa sistematicamente todas as previsões, mesmo as mais conservadoras, é sinal de que há uma força extra em jogo; uma força que os modelos estatísticos não capturam. É aí que entra a inflação social.
As empresas de seguros não podem travar esta maré, mas podem aprender a navegá-la. Precisam de ser mais ágeis e prudentes, ajustando o pricing e reforçando reservas técnicas para antecipar esta pressão. Devem compreender as pessoas, não apenas os números, integrando nos seus modelos dados sobre tendências sociais, decisões judiciais e o clima mediático. Devem controlar a ética dos prestadores de serviços. Devem investir na paz, promovendo crescentemente mediação e conciliação, antes que os conflitos cheguem aos tribunais. Um acordo justo e rápido é muitas vezes a melhor vacina contra esta inflação.
No fundo, a inflação social é um espelho de uma sociedade em transformação, que está a redefinir o risco, a responsabilidade e o valor de uma vida ou de um prejuízo. Num país onde cresce a perceção de injustiça, é fácil ver as empresas de seguros como cofres sem fundo. Mas a verdade é dura; sem prémios que reflitam os custos reais, não há seguros sustentáveis. E sem seguros, o pacto de proteção que sustenta a sociedade moderna ruirá.
Reconhecer esta força invisível é o primeiro passo para lidar com ela. Ignorá-la é como ver o nível do mar subir e culpar as marés, em vez de reforçar os paredões. No fim, nenhum modelo sobrevive a uma sociedade que muda mais depressa do que as suas próprias previsões.
A inflação social é o sismo invisível do setor segurador; não aparece nas estatísticas, mas está a abalar os seus alicerces. É chegado então o momento de reconhecer que a inflação social sente-se e, por isso mesmo, tem de se modelizar!
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