A (não) tributação dos ganhos resultantes da alienação de um quinhão hereditário – fundamentação

  • Rogério Fernandes Ferreira e Alice Ferraz de Andrade
  • 22 Agosto 2024

Ainda que a herança seja constituída apenas por bens imóveis, a transmissão do quinhão hereditário não pode ser equiparada a uma alienação onerosa de bens imóveis.

O Tribunal Arbitral constituído Centro de Arbitragem Administrativa decidiu, a 18 de janeiro de 2024, que a alienação onerosa de um quinhão hereditário, cuja respetiva herança integre bens imóveis, não pode assimilar-se a uma alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. Consequentemente, os eventuais ganhos daí decorrentes não estão sujeitos a tributação em sede de IRS.

A problemática surgiu no âmbito de uma correção efetuada pela Administração tributária (AT) à declaração de IRS de um contribuinte que havia transmitido o seu quinhão hereditário em 2020. Entre outros fundamentos, invocou a AT que o quinhão hereditário transmitido equivale a um direito de propriedade sobre uma quota do imóvel que compõe a herança.

Mais entendeu que, desde o momento da aceitação da herança, o herdeiro passa a deter (por vezes, em regime da compropriedade com os demais herdeiros) o domínio dos bens que a compõem, o que justifica a equiparação da cessão do quinhão hereditário à alienação de um bem imóvel, sendo indiferente que este seja transmitido isoladamente ou integrado num quinhão.

Confrontado com a questão, o Tribunal entendeu que a alienação do direito ao quinhão hereditário constituído por imóveis não constitui uma alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, não se encontrando esta operação abrangida pela norma de incidência do Código do IRS que sujeita a tributação as mais-valias advenientes a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

Considerando o regime legal aplicável, bem andou o Tribunal ao decidir neste sentido. Vejamos.

Uma vez aberta a sucessão, dá-se o chamamento dos herdeiros, podendo estes suceder nas relações jurídicas de que o falecido era titular. Porém, ao aceitar a herança, os herdeiros não adquirem automaticamente a propriedade dos bens que a compõem. É com a partilha que cessa a comunhão hereditária, passando cada herdeiro a ser pleno titular da propriedade dos bens que lhe couberem, podendo, aí sim, exercer os respetivos direitos.

Enquanto permanecer a indivisão, os herdeiros apenas serão titulares de um património comum, constituído por uma universalidade de bens, direitos e eventuais obrigações. Até à partilha, cada herdeiro terá direito à sua quota-parte ideal na herança (o quinhão hereditário) sem que se conheçam os bens que a preenchem, não detendo qualquer propriedade sobre os bens que a integrem, nem mesmo em regime de compropriedade (o qual pressupõe a titularidade de um direito de propriedade comum sobre um bem concreto e individualizado, o que não ocorre).

Tanto é assim que, enquanto a herança permanecer indivisa, a referida universalidade de bens deve ser administrada pelo cabeça de casal, a quem compete gerir o património hereditário.

Ainda assim, a lei prevê a possibilidade de os herdeiros alienarem o seu quinhão. Esta operação equivale à transmissão do conteúdo de um direito, abstratamente considerado e idealmente definido, sobre uma universalidade de bens a que corresponde o património comum de que os herdeiros são titulares até à partilha. Não se transmitem quaisquer direitos sobre bens concretos.

Em face do exposto, impõe-se concluir que, ainda que a herança seja constituída apenas por bens imóveis, a transmissão do quinhão hereditário não pode ser equiparada a uma alienação onerosa de bens imóveis, não havendo, por isso, sujeição a tributação das eventuais mais-valias daí decorrentes.

  • Rogério Fernandes Ferreira
  • Sócio fundador da RFF Lawyers
  • Alice Ferraz de Andrade
  • Associada da RFF Lawyers

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