A proteção do Whistleblower e a partilha de recursos

  • Alexandra Mota Gomes
  • 19 Setembro 2022

Numa altura em que o Mecanismo Nacional Anticorrupção ainda só está provisoriamente instalado, esta e outras dúvidas permanecem.

Volvido mais de um mês desde a entrada em vigor da Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, que criou o regime geral de proteção de denunciantes de infrações, têm sido várias as incertezas quanto à sua implementação e existem, ainda, muitas “pontas soltas” por resolver.

Uma delas, que tem vindo a preocupar sobretudo as grandes e médias empresas, é, precisamente, a limitação à partilha de recursos na receção e seguimento das denúncias.

A Lei prevê que [a]s entidades obrigadas que não sejam de direito público e que empreguem entre 50 e 249 trabalhadores podem partilhar recursos no que respeita à receção de denúncias e ao respetivo seguimento”. No entanto, para efeitos de receção e tratamento de denúncias, os canais devem ser operados internamente, sem prejuízo de poderem ser operados externamente para efeitos de receção.

Parece, assim, resultar da Lei que as entidades do setor privado que empreguem mais de 249 trabalhadores estão impedidas de partilhar recursos e que o tratamento das denúncias deverá sempre ser operado internamente.

Muitos entendem que estas limitações não deveriam ser aplicáveis a empresas do mesmo grupo, e que tais restrições podem criar dificuldades na escolha do canal de reporte adequado. Principalmente quando a realidade jurídica das empresas não corresponde à sua imagem externa, nem é sequer internamente apreendida.

A Comissão Europeia, a propósito da Diretiva (EU) 2019/1937 que versa sobre esta matéria, defende, porém, que as grandes empresas não podem beneficiar da partilha de recursos, ainda que integrem o mesmo grupo, por considerar que i) a eficiência dos canais deve ser assegurada através da proximidade do denunciante à empresa com a qual se relaciona e que ii) a partilha dos canais é desadequada quando as sociedades do mesmo grupo estejam localizadas em diferentes Estados-Membros, os quais, dada a margem de discricionariedade que lhes é conferida, podem impor obrigações distintas.

Subsistem, porém, várias questões: o que significa “partilha de recursos”? Está em causa apenas a partilha de “canais” ou também de recursos humanos?

A contratação de terceiros limita-se à receção de denúncias ou pode estender-se ao respetivo seguimento?

A nomeação de um responsável ao nível do grupo permite assegurar estas responsabilidades?

Levado ao extremo o entendimento da Comissão, todas as entidades com mais de 249 trabalhadores, em relação de grupo, estariam obrigadas a implementar um canal próprio e a seguir internamente as denúncias, encontrando-se vedada a possibilidade de centralizar tais obrigações.

Esta solução acarretaria custos incomportáveis, relacionados não só com a implementação de múltiplos canais, mas também com a contratação de diferentes colaboradores para tramitação das denúncias em cada uma das sociedades-filhas.

Nos grupos nacionais, onde as diferenças de transposição não se colocam, e onde pode existir um programa de cumprimento normativo comum, não se identificam obstáculos à partilha de recursos, com economia de esforços, desde que se garanta que os canais de denúncia estão disponíveis ao nível das sociedades-filhas e desde que seja fornecida informação clara sobre o responsável, ao nível do grupo, pelo tratamento das denúncias, com garantias da respetiva independência.

Todavia, numa altura em que o Mecanismo Nacional Anticorrupção ainda só está provisoriamente instalado, esta e outras dúvidas permanecem.

  • Alexandra Mota Gomes
  • Sócia responsável pela área de prática de Direito Criminal, Contraordenacional e Compliance da Antas da Cunha Ecija & Associados

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