A receita da AD

A preservação do Estado Social como o conhecemos enfrenta sérios desafios nas próximas décadas, que só o crescimento da economia permitirá superar, gerando mais recursos.

Quem faz a economia crescer são as empresas e quem nelas trabalha. Ao governo cabe criar as condições para que se desenvolvam. O que passa por reduzir os entraves burocráticos, proporcionar boas infraestruturas, ter uma fiscalidade que incentive o investimento e permita o pagamento de bons salários, adotar legislação que possibilite aos setores florescer ou oferecer serviços públicos que garantam, por exemplo, uma educação e uma saúde de qualidade.

Os anos de António Costa tiveram pontos positivos. As “contas certas” e a forte redução do endividamento público criaram confiança nos investidores. Foram aprofundados os incentivos fiscais ao investimento e à inovação, embora obriguem a muita burocracia. Houve um alívio do IRS. A regulação na energia ajudou a trazer muito investimento nas renováveis, tal como a simplificação do licenciamento no turismo.

Os fracassos são também evidentes. Grande parte do investimento público prometido ficou na gaveta e só agora começa a encarrilar. O reforço das verbas para a Educação e a Saúde não impediram que os problemas se agravassem, por falta de vontade em reformar. A elevada carga fiscal (necessária para alimentar um Estado ineficiente) e a falta de habitação empurram pazadas de licenciados para fora do país. A burocracia e os licenciamentos continuam a ser um pesadelo para muitas empresas, tal como a crescente complexidade do sistema fiscal. A lentidão da justiça acresce um enorme custo.

A preservação do Estado Social como o conhecemos enfrenta sérios desafios nas próximas décadas, que só o crescimento da economia poderá permitir superar. Desde o início do século que a economia portuguesa está mais ou menos estagnada (média anual de 0,8%). Nos últimos anos retomou a convergência com a UE porque também esta cresce, em média, a taxas menores. Passada a retoma da pandemia, o PIB real vai voltar ao ‘um vírgula qualquer coisa’.

O que se espera dos partidos é que apresentem propostas que permitam acelerar o crescimento. Na quinta-feira, ficámos finalmente a conhecer as da Aliança Democrática (AD), que segundo a própria terão o condão de pôr o PIB a avançar entre 2,5% e 3,4%, de 2025 a 2028. Bem acima do que perspetiva agora o Conselho de Finanças Públicas, que prevê um crescimento médio de 1,8% entre 2023 e 2027.

As medidas terão impacto quase só na procura interna, acelerando o consumo e o investimento privado. Um dado curioso, tendo em conta que a direita sempre defendeu que devia vir sobretudo da externa.

Como vai então o país crescer mais? Em primeiro lugar, através do corte nos impostos. A redução do IRS até ao 8º escalão e a diminuição em dois terços das taxas aplicadas aos jovens até aos 35 anos. A que se soma a isenção de contribuições e impostos sobre prémios de desempenho até ao limite de um vencimento mensal, medida defendida pela CIP. São menos 3.000 milhões que serão cobrados às famílias até ao final da legislatura, a que acrescem ainda 500 milhões em medidas na habitação.

Ao contrário do PS, a AD quer também baixar o IRC em dois pontos percentuais por ano até chegar aos 15%, valor em que ficaria também a taxa efetiva (atualmente ronda os 18,6%). A coligação defende também a eliminação gradual da progressividade do imposto (quem tem mais lucros deixa de ser penalizado com taxas mais altas) e o fim da derrama municipal. Tudo somado, são 1.500 milhões que o Estado poupará às empresas.

Os 5.000 milhões em cortes fiscais não provocarão qualquer buraco orçamental, diz a AD, com o maior crescimento a gerar receita suficiente para o equilíbrio orçamental, com o qual a coligação entre o PSD, o CDS e o PPM também se compromete.

A outra via para acelerar a variação do PIB é o “aumento sustentado do crescimento da produtividade do trabalho”, que chega aos 2% em 2028 e dará suporte a um aumento do salário mínimo até aos mil euros no final da legislatura e do médio para 1.750 euros. Aqui o menu inclui, por exemplo, o aumento da concorrência em setores como os transportes, a energia e as comunicações (fácil de dizer, difícil de conseguir), a redução da burocracia, o incentivo ao ganho de escala das empresas ou a aposta na educação e formação.

O que promete a AD de diferente face ao PS? Um choque de gestão no Estado, de forma a torná-lo mais capaz e eficiente (algo que os governos socialistas nunca conseguiram fazer), e uma maior valorização do mérito. A coligação prevê uma descida do peso da despesa pública no PIB, de 44,5% para 40%. Será compaginável com a reposição do tempo de serviço na Função Pública? Se der aos professores terá de dar às outras carreiras, vide a manifestação dos polícias e guardas da GNR.

Assume também uma maior participação do setor privado, seja na complementaridade ao Estado na prestação de cuidados de saúde, seja no recurso a Parcerias Público-Privadas para o reforço da oferta de habitação.

Duas das grandes tendências que vão marcar a década, a descarbonização e o envelhecimento da população, não são esquecidas. A primeira, aparece sem grande fôlego ou ambição nas medidas. O tema maldito da sustentabilidade do pagamento das pensões é arrumado com a promoção de uma “discussão esclarecida e serena” durante a legislatura. Empurra-se com a barriga. Há, ao menos, uma proposta para uma conta-poupança isenta de impostos, com limites de investimento.

O programa económico da AD é quase um programa de Governo (não mexesse tudo com a economia) e avançar primeiro tem vantagens. O mau karma para o PSD foi ter de competir pela atenção mediática com as investigações que envolvem o presidente da câmara do Funchal e o presidente do Governo Regional da Madeira, ambos social-democratas.

Venha o programa dos outros partidos.

Nota: Este texto faz parte da newsletter Semanada, enviada para os subscritores à sexta-feira, assinada por André Veríssimo. Há muito mais para ler. Pode subscrever a Semanada neste link.

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