A reprogramação do PPR, a mesma desilusão

A reprogramação do PRR traz um reforço significativo das verbas ao dispor de Portugal, mas não corrige os erros iniciais. É uma oportunidade perdida. E, ao aumentar o endividamento do Estado, pode até

O Governo apresentou a reprogramação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), aumentando a verba total de cerca de 16.6 mil M€ para 22.2 mil M€. Este aumento (de 5.6 mil M€) resulta de mais 2.4 mil M€ de subvenções e mais 3.2 mil M€ de empréstimos.

Vale a pena fazer três reflexões sobre esta matéria: (i) Os erros iniciais do PRR e o que está a correr bem e mal na execução; (ii) A utilização desta verba adicional, sobretudo a parte dos empréstimos, que é divida pública (a parte das subvenções teria sempre de ser considerada, enquanto que o uso dos empréstimos é discricionário – podíamos não nos endividar tanto ou até endividarmo-nos mais); e (iii) Os desafios que se colocam ao PRR depois desta reprogramação.

Sobre os erros iniciais do PRR, escrevi aqui, aqui, aqui, aqui e aqui. Ainda assim, saliento os seguintes erros, que têm agora efeitos na execução do PRR e na sua reprogramação. Primeiro, o PRR não está focado nos “estrangulamentos” da economia portuguesa. Segundo, o Governo coloca a ênfase do PRR no Estado, no investimento público e nos serviços públicos. Isto leva a que, em terceiro lugar, o PRR esteja mal desenhado, não tendo um racional claro e compreensível. Quarto, o PRR é um programa centralizador (muito focado na área de Lisboa) e com demasiado Estado, pouco virado para as empresas. Quinto, tem diversos problemas de execução e de governação.

Quanto à execução, estava previsto para 2022 uma realização de 3.3 mil M€ de despesa. A execução real foi de 713 M€. Ou seja, somente foi executado 21% do previsto (um desvio de quase 80%). Do lado da receita, a previsão era de 3.5 mil M€ e foi executado 160 M€ (14% execução). Tudo com fraquíssimos impactos na economia real: as empresas receberam apenas 41 M€. Mas as empresas públicas receberam 515 M€. Por outras palavras, 75% dos pagamentos foram para o Estado.

Sobre a utilização das verbas adicionais, pretende-se reforçar os recursos para as empresas (mitigando-se assim uma das principais falhas do PRR inicial), para a transição energética e para as infraestruturas públicas.

Porém, esta reprogramação, e esse é o meu terceiro ponto, levanta várias questões:

  1. Se a execução prevista de 16.6 mil M€ até 31 de dezembro de 2026 (ou seja, cerca de 3.3 mil M€ por ano) era já bastante complexa (e com fortes atrasos em 2022), como vai ser agora com mais cerca de 2 mil M€ por ano, para o período de 2024 a 2026? Ou seja, se já era muito complexo executar 3,3 mil M€/ano, como será agora com cerca de 5 mil M€/ano? Será um exercício ainda mais exigente para o governo, entidades públicas e empresas.
  2. Que análises foram feitas para decidir esta alocação? Foi analisado o reforço de verbas em função do PRR inicial, com que base e com que premissas?
  3. Que valor acrescentado terá o investimento feito com recurso aos empréstimos? (Note-se que o governo não identifica no reforço de verbas que parcelas são financiadas com subvenções e que parcelas resultam de empréstimos). É fundamental saber se o retorno do investimento das verbas resultantes de empréstimos é superior ao custo de financiamento dessa dívida pública (sobretudo em Portugal, onde a divida pública se situa em torno de 110% do PIB e a divida externa em torno de 80% do PIB em 2022).
  4. O reforço de verbas por via dos empréstimos (mais uma vez, era fundamental perceber que áreas são reforçadas pelas subvenções e que áreas são reforçadas pelos empréstimos, para se fazer análises custo-benefício da utilização de dívida) representa apenas uma desorçamentação de despesa e de investimento público?
  5. Há risco de que fiquem verbas de subvenção por usar, mas, em contrapartida, empréstimos que são contraídos?
  6. O reforço de verbas implicou um aumento das medidas a tomar pelo governo (de 115 para 156), das reformas a implementar (32 para 43) e dos investimentos (83 para 113), bem como dos marcos e metas (341 para 501). Considerando que a execução da parte não financeira do PRR (exatamente esta parte das medidas, reformas, marcos e metas) também está atrasada, isto agrava o risco de incumprimento, tornando assim a execução do PRR ainda mais difícil. Como vai o governo gerir isto? (Curiosamente, o governo alivia o número de marcos e metas para o 2º e 3º pagamento – os de 2023 – e aumenta o número de marcos e metas para os pagamentos seguintes, do 4º ao 10º, de 2024 a 2026).

Em síntese, a reprogramação do PRR traz um reforço significativo das verbas ao dispor de Portugal. Mas já nem o primeiro-ministro chama o PRR de “bazuca”. Porque o PRR está a ser uma profunda desilusão. Eu avisei aqui no ECO que, desenhado daquela forma, ia ser um “placebo” e não um remédio para os problemas económicos e sociais de Portugal.

Este reforço de verbas do PRR não corrige os erros iniciais. É uma oportunidade perdida. E, ao aumentar o endividamento do Estado, pode até agravar esses erros.

Por último, não houve praticamente discussão pública desta reprogramação, o que, com esta maioria absoluta, deve indignar-nos mas não nos deve surpreender.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

A reprogramação do PPR, a mesma desilusão

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião