A saúde mental deixou de ser o patinho feio?

  • Teresa Rebelo Pinto
  • 25 Junho 2021

É muito bonito (e relevante) falar de saúde mental no mundo empresarial, mas talvez só estejamos perante uma verdadeira mudança quando a cultura das organizações se basear em dinâmicas saudáveis.

Nunca se falou tanto em saúde mental como agora. Parece que o patinho feio da Saúde foi promovido e não se fala de outra coisa. A próxima epidemia são os problemas psiquiátricos; a pensar nas gerações futuras, é importante proteger a saúde mental das crianças; a produtividade das empresas dispara quando as condições de trabalho favorecem a saúde mental dos trabalhadores… Tudo verdade, mas não basta dizê-lo em abstrato, é preciso transformar ideologias em ações concretas e que melhorem visivelmente o bem-estar em todas as gerações.

Talvez faça sentido clarificar primeiro o que se entende por promoção da saúde mental. Tal como na saúde física, não se trata apenas da ausência de doenças mentais. Falamos de estratégias que contribuem para estados de bem-estar geral, favorecendo a realização do potencial humano de cada um. Quem tem boa saúde mental, consegue responder melhor aos desafios do dia-a-dia, ser produtivo e contribuir ativamente para a sua família ou comunidade. Na verdade, separar saúde física e mental não faz qualquer sentido. Trata-se
apenas de uma esquematização que ajuda a estruturar o pensamento, já que a ligação entre ambas é inequívoca. Por isso, embora possamos restringir campos de ação e falar de saúde oral, sexual ou mental, há que perceber que nenhuma destas áreas funciona isoladamente.

Em pleno século XXI, há quem continue a ter preconceito de recorrer a um psiquiatra, sendo mais comum ouvir-se dizer que foi “ao médico”. De vez em quando lá ouvimos alguém publicitar que pediu ajuda psiquiátrica, mas quase sempre com uma espécie de tom heroico por ter coragem de admitir tal situação. As baixas psiquiátricas são vistas como “férias” ou confundidas com preguiça. Quanto à Psicologia, parece servir para “desabafar” e não para tratar ou prevenir problemas de saúde mental, sendo muitas vezes catalogada de terapia alternativa, seja lá isso o que for. E, sistematicamente, recorre-se a um psicólogo já em desespero, depois de se ter “experimentado tudo” sem conseguir resolver os problemas. Depois existem clubinhos: aqueles que só confiam na Psiquiatria e os que, por oposição, preferem a Psicologia, ignorando redondamente a complementaridade e estreita relação entre ambas.

A lista de prioridades dos portugueses deixa para o fim situações tão relevantes como comer, dormir ou estar com a família. Como é que se pode ser saudável sempre a correr de um lado para o outro? A dormir e a comer “quando dá” ou só depois de cair exausto ou de hipoglicémia? Como pode haver bem-estar emocional quando trabalho e família são impossíveis de conciliar de forma harmoniosa?

É muito bonito (e relevante) falar cada vez mais de saúde mental também no mundo empresarial, mas talvez só estejamos perante uma verdadeira mudança quando a cultura das organizações se basear em dinâmicas saudáveis. Tenho muita pena, mas o clássico “faz o que eu digo, não faças o que eu faço” não conta nestas matérias. Exemplificando, não vale dizer que se recomenda dormir bem para depois exigir telemóveis ligados 24h ou sobrecarregar os juniores com 70 a 80h de trabalho semanal. É escusado esperar grande motivação no trabalho de alguém que atravessa uma crise familiar, porém seria maravilhoso que as empresas contribuíssem para o apoio psicológico e/ou psiquiátrico quando necessário. Além disso, que tal diversificar os habituais temas da formação profissional e incluir tantos módulos sobre saúde mental como sobre liderança, comunicação e resolução de conflitos? Ainda há muito a fazer neste campo.

Fico genuinamente satisfeita por se ouvir falar cada vez deste tema, mas receio não passar de uma moda e que algumas pessoas continuem sem compreender realmente as implicações da saúde mental. Resta-me a esperança de que nas gerações seguintes seja tão natural proteger a saúde mental como ir ao dentista, tornando-se mais claro o que pode ser feito para prevenir “cáries” emocionais.

  • Teresa Rebelo Pinto

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