A selva ao virar da esquina

As elites e as grandes empresas deveriam colaborar voluntariamente no combate à crise, promovendo uma maior distribuição da riqueza e apostando no emprego dos jovens.

O jardim da democracia é frágil. Um eventual falhanço da Europa no combate à crise económica e social decorrente da atual pandemia, teria efeitos catastróficos. Promoveria a desconfiança no regime, daria azo ao reforço dos movimentos nacionalistas e faria perigar as democracias liberais.

O período de férias é sempre uma janela de oportunidade para se fugir da banalidade e procurar perspetivas literárias que ficcionam o futuro e que raramente se encontram na nossa esfera quotidiana.

The Jungle Grows Back (“A selva volta a crescer”), de Robert Kagan, tem esse potencial. É um livro que encerra uma análise geopolítica global e que – infelizmente – recorda que o período de paz que se vive na Europa, desde o final da II Guerra Mundial, é uma simples poeira histórica e não um dado adquirido.

Nesta obra, o autor analisa a mudança que se está a operar na ordem mundial e sublinha o risco (real) de falência das democracias liberais e da paz mundial.

A análise é simples e esclarecedora.

As democracias liberais assentam nas liberdades individuais. Liberdade de pensamento, de expressão e de associação e liberdade económica. Regem-se pelo Estado de Direito e seguem os valores da tolerância, igualdade e inclusão, assim como na separação entre o Estado e a Religião. As democracias liberais estão nos antípodas de regimes totalitários e autocráticos, que subjugam a liberdade individual em nome de um alegado interesse coletivo. E distanciam-se, também, dos Estados religiosos, nos quais Estado e Religião se confundem.

O que varia, nas democracias ocidentais, não é o primado da pessoa e a defesa da sua autodeterminação. O que varia, é apenas o modelo de Estado Social. No modelo anglo-saxónico, o Estado Social é mínimo; no modelo escandinavo, é máximo; nos países da Europa do Sul, situa-se a meio termo.

A preservação das democracias liberais repousa, acima de tudo, na força irradiante dos seus valores e na promoção do bem comum.

Mas não apenas.

As democracias liberais têm igualmente dependido da comunhão de valores entre a Europa e os Estados Unidos da América (EUA), país que desde a II Grande Guerra esteve sempre presente na defesa deste way of life. Numa primeira fase, deveu-se aos EUA a derrota da Alemanha nazi; durante a “guerra fria”, estiveram na linha da frente contra o modelo soviético; mais recentemente, após a queda do muro de Berlim, ajudaram a conter movimentos religiosos com pretensões militares, como o do Daesh.

Este caminho está a esgotar-se.

A filosofia do “America First” e a exaltação do isolacionismo deixam a Europa sozinha. A antes apregoada “Atlantic Community”, que apostava numa ordem democrática entre os EUA e a Europa Ocidental, foi praticamente posta de parte pela atual Presidência americana, que questiona a anterior ordem democrática. A Europa deixou de ser vista como um parceiro, e passou a ser compreendida como um competidor.

Este facto, aliado ao Brexit e ao crescimento de movimentos nacionalistas, deixa a União Europeia isolada e à mercê de dois gigantes que não seguem o nosso modelo e que têm (ambos) ambições expansionistas: a China e a Rússia.

É neste contexto que a crise pandémica, pelas repercussões económicas e sociais que encerra, tem de ser combatida pela União Europeia sem hesitações, através da preservação dos empregos e do modelo de vida europeu.

Um eventual falhanço neste domínio teria efeitos catastróficos. Promoveria a desconfiança no regime, fortaleceria os movimentos nacionalistas e faria perigar as democracias liberais.

Em Portugal, a defesa simultânea das empresas, do emprego e dos rendimentos é decisiva. E o aumento (com significado) do salário mínimo, é um sinal de esperança e de sustentabilidade do regime, em especial se resultar de um acordo em sede de concertação social. Mas devemos ir mais além. As elites e as grandes empresas deveriam colaborar voluntariamente no combate à crise, em sede de responsabilidade social, promovendo uma maior distribuição da riqueza e apostando no emprego dos jovens.

O jardim da democracia é frágil e deve ser preservado.

E a selva está ao virar da esquina.

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