A tragédia dos apoios à comunicação social

Se o governo quer apoiar a qualidade da informação em Portugal, tem de proteger o jornalismo, não procurar operações de relações públicas disfarçadas de caridade à comunicação social.

Vamos lá começar pelo óbvio: o Estado não quis apoiar o jornalismo, o estado quis apoiar a comunicação social. São coisas muito diferentes e, embora tenha dado jeito embrulhar uma coisa na outra, é fundamental desmascarar a vigarice. A trapalhada dos critérios e a incompetência na atribuição dos valores só confirma quão mal disfarçada foi esta política.

Há uma lógica de serviço público que justifica o apoio ao jornalismo, não há nenhuma lógica que valide um apoio à comunicação social diferente do que merecem os restaurantes ou as fábricas de moldes ou outro negócio qualquer. A pressa foi tanta que levou à lamentável falta de transparência nos critérios utilizados e ao grotesco apagamento dos meios regionais da distribuição de verbas – quando estes são os que mais precisam e ninguém sabe quem vai receber quanto.

A verdadeira tragédia é que os donos de jornais e os “representantes” dos jornalistas aceitem estas migalhas, prestando-se a ser usados em mais uma operação de relações públicas governamental. E fazem-no, como de costume, sem perceber o impacto negativo que tudo isto tem na opinião pública: a comunidade que devem servir é aquela que acabam por alienar com este comportamento. É óbvio que é absolutamente ridículo presumir que algum jornalista acorda de manhã a pensar que tem de beneficiar o governo por causa do apoio que a empresa para a qual trabalha recebeu. Mas o que este triste acontecimento confirmou é que, ao contrário dos seus jornalistas, vários donos de empresas jornalísticas continuam a gostar muito de ir ao beija-mão do poder e de receber o protocolo bacoco que confundem por reconhecimento social. O tráfico de influências joga-se aqui, não nas redações.

Tivesse o Estado vontade efetiva de apoiar o jornalismo, teria feito depender os apoios de dois fatores muito simples: manutenção integral dos postos de trabalho dos jornalistas e rácio de jornalistas nos quadros das empresas. Se quisesse contribuir para o futuro do jornalismo, podia ainda acrescentar mais um critério transparente, que seria a percentagem de jornalistas com menos de 35 anos nos quadros.

São dados objetivos que privilegiam quem mais investe em jornalismo e quem mais faz para validar o espaço público de informação. Tudo isto escapa à compreensão – e à vontade – do ministério da Cultura, que precisa de forçar a sua relevância e agora até se prepara para investir na formatação de apoios à literaciia mediática e em apoios “reais” à comunicação social. Teme-se o pior, da pior forma. Note-se que este é o mesmo ministério que acha que o Notícias de Viriato é um título de informação…

Já aqui o disse várias vezes: há muitas fórmulas ao dispor do Estado para apoiar os meios noticiosos de forma transparente. A União Europeia repete isso mesmo há mais de vinte anos, vários governos europeus também o fazem. Não faltam exemplos nem caminhos transparentes a seguir. Também já disse que é urgente apoiar os média livres e que a sociedade precisa desesperadamente de mais e melhor jornalismo. Mas, se a preocupação fosse essa, já não havia dinheiro para os muitos programas de entretenimento que ocupam as televisões. Foi isso que motivou o Governo, não os jornais, os jornalistas ou as notícias.

Ler mais: Para quem se quer maravilhar com os disparates deste Governo, basta ler a resolução do conselho de ministros que revelou estes apoios aos média sem juízo nem tento. É uma bela descida aos intestinos da máquina pública.

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