O apoio aos media não resolve nada

A venda de jornais em banca caiu para metade e a quebra do investimento publicitário em todos os setores anda pelo mesmo valor.

A situação nas redações é dramática. O apoio aos media anunciado pelo governo é simpático e parece ter alguns aspetos bem pensados, como a parcela dedicada aos meios regionais. E é importante repetir que o apoio à publicidade é uma das poucas formas neutras com que o Estado pode apoiar a comunicação social. Mas nada disto vai fazer mexer a agulha da sobrevivência de meios ameaçados por décadas de má gestão e incompetência no digital.

É bastante claro que o Governo tem muito com que se preocupar. Toda a economia precisa de ajuda e os apoios que chegarem para os media deverão ser os mesmos que estarão disponíveis para as outras atividades. Já em dezembro, antes desta crise, tinha escrito sobre o assunto aqui, sugerindo medidas genéricas para proteger o setor.

Neste contexto, há outras, igualmente importantes que devem ser consideradas: A primeira seria acabar imediatamente com a compra de serviços de clipping por parte do setor público – em vez disso, os serviços públicos devem ter uma verba consignada à aquisição de assinaturas digitais dos meios nacionais; eliminar o IVA nas assinaturas e o porte pago no envio dos jornais também parece ser de bom senso e facilmente executável.

Mas a mais importante medida continua a ser a taxação efetiva dos gigantes digitais, que ficam com mais de 70% do mercado publicitário e nem sequer pagam impostos em Portugal. Essa perda, que já foi estimada anualmente em 100 milhões de euros, daria para pagar dezenas de redações generalistas de alta qualidade e outras tantas ocupando-se de setores de nicho. Ao mesmo tempo que se aplica esse imposto, o estado poderia criar incentivos ao investimento publicitário privado em média nacionais, tornando-o mais atraente. Isto é o que se chama uma ação indireta, sem intervenção direta do estado e sem favores a títulos individuais, deixando que continue a ser o mercado a ditar a sua lei.

O setor dos meios privados também está longe de estar isento de culpas, graças a erros de gestão no valor de vários milhões de euros (Nónio, por exemplo). Mas este não é o momento para questionar uma das indústrias mais atacadas de toda a sociedade, até porque o seu comportamento durante esta crise tem sido extraordinário.

Mas coloquemos as coisas em contexto: o que será dramático para o país é o desaparecimento de uma comunicação social livre e concorrencial, não a ausência de um título ou outro. Aliás, os números indicam que o mercado está saturado e que alguma concentração ou fecho de títulos será necessária a curto prazo. Claro que situações como a vivida no Diário de Notícias esta semana são de lamentar, especialmente no contexto de má gestão em que a Global Media tem estado envolvida nos últimos anos. Mas, se for esta crise a limpar do mercado títulos zombie como o i ou o Sol, não será problemático para o setor (apesar de o ser para os profissionais que lá trabalham). A questão de fundo tem de ser resolvida, porque a crise do jornalismo de qualidade vai infelizmente ser mais duradoura do que o Corona. E precisa de ser resolvida por quem a pense a longo prazo.

Ler mais: Há três semanas foi enviada uma carta à presidente da Comissão Europeia a pedir uma atenção especial aos media por causa do coronavírus. Apesar de ser um esforço pan-europeu, escrita e publicada numa dezena de línguas e assinada por parlamentares e diretores de jornais de vários países, não tem um único português na lista.

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