Agenda do Trabalho Digno: Chocolate que não adoça a boca

  • Margarida Rosenbusch
  • 15 Junho 2023

Gosto de chocolate. Do doce. E a Agenda do Trabalho Digno, recebi-a como o papel de prata bonito envolvente do “bombom” que era a promessa da alteração às leis laborais.

A ocupação pode ter a vantagem de nos consumir o tempo. Liberta-nos, por umas horas, de certas preocupações. E, até, de algumas tristezas. E afasta a angústia de saber que haverá alguma tranquilidade que tarda em chegar. Mas também afasta a necessidade e, melhor, o dever, de refletir sobre o que nos acontece. E será quando nos deixamos consumir pela ocupação, nossa e da que nos rodeia, que adormecemos a qualidade humana que nos é única. A de saber ajuizar sobre a bondade daquilo que nos é oferecido.

Gosto de chocolate. Do doce. E a Agenda do Trabalho Digno, recebi-a como o papel de prata bonito envolvente do “bombom” que era a promessa da alteração às leis laborais. Mas decorrido pouco mais de um mês de entrada em vigor da nova lei, sinto-lhe um travo amargo.

Foram várias as disposições introduzidas. E também diversas as temáticas abordadas. E longe de me debruçar sobre a sua globalidade, pretendo apenas refletir sobre algumas das consequências práticas que, neste curto período de tempo, já pude observar nas relações de trabalho.

Exercício da atividade sindical na empresa. Que já de passado se materializa na realização do plenário de trabalhadores no local de trabalho. No direito a instalações no interior da empresa ou na sua proximidade. Ou, ainda, na afixação e distribuição de informação sindical. Agora, a nova disposição legal ensina-nos que, com as necessárias adaptações, passa a ser aplicável a empresas onde não existam trabalhadores filiados em associações sindicais.

Ora, para o extenso alcance que lhes está associado, são escassas as novas palavras escritas. E desde que entraram em vigor já assistimos empregadores e trabalhadores, ambos duvidosos quanto à intenção do legislador.

Do lado do trabalhador, é a dúvida quanto à legitimidade representativa da associação sindical. E daí um comportamento cerimonioso também no que trata a uma possível filiação. Já do lado do empregador, a necessidade de ver definida a identidade das associações, a quem passa a ser reconhecido este direito ao exercício da atividade sindical na empresa.

A nós, também nos parece que o legislador podia, e devia ter contribuído para esta clarificação. Quem sabe, circunscrevendo esta legitimidade às associações sindicais que, mesmo não tendo trabalhadores filiados, possam representar os interesses de quem exercendo a sua atividade na empresa na esfera de representação do sindicato, seja seu potencial associado.

Mas assim, como a caixa de bombons que derretida ao sol perdeu o seu encanto, também a ausência de resposta por parte do legislador, leva a empregadores reticentes na abertura das suas portas, por questionarem o interesse, a legitimidade e a motivação das associações sindicais. E trabalhadores que convencidos da possível representatividade sindical, se deixam abraçar por programas e políticas que podem não endereçar os seus interesses socioprofissionais.

Passamos à terceirização de serviços. E à dificuldade associada à obrigação de aplicar ao prestador do serviço, quando lhe seja mais favorável, o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que vincule o beneficiário da atividade.

Também aqui já fomos chamados a interpretar o que faltou de recheio ao legislador.

Este, desenha como solução que se determine, no contrato de prestação de serviços, quem é a entidade responsável pelo cumprimento das obrigações previstas no instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. Género cobertura glacê.

Mas do prestador de serviços, o que se desvenda é um conteúdo oco e sem graça, com a tendência que este inicia do encarecimento do preço do serviço a prestar. Capaz de o fazer suportar os encargos decorrentes da aplicação aos seus trabalhadores, de um novo instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

E ao beneficiário da atividade, para quem passa a ser relevante que o prestador de serviços diminua o número de efetivos que aloca à prestação da atividade contratada, a eliminação de tantos postos de trabalho.

Termino. Embora sejam, ainda, várias as disposições merecedoras da nossa reflexão. E por isso, mesmo reconhecendo o trabalho já apresentado pelo legislador, ainda espero que o saber aguardar pelo decurso do tempo, permita formular novo juízo sobre a bondade das recentes alterações às leis do trabalho.

Gosto de chocolate. Mas este “bombom”, na sua versão atual, não me adoça, ainda, a boca.

  • Margarida Rosenbusch
  • Associada sénior de Direito do Trabalho & Fundos de Pensões da CMS Portugal

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