Alojamento Local: e depois do Acórdão?

  • Beatriz Paredes e Maria Sanches Afonso
  • 11 Julho 2022

Paira a incerteza na esfera jurídica daqueles que exploram atualmente alojamentos locais, bem como daqueles que pretendem investir no setor.

Volvidos alguns dias sobre a publicação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a propósito do alojamento local, continuam sem resposta muitas das questões suscitadas por parte dos principais intervenientes nesta atividade.

De acordo com o entendimento daquele Tribunal Superior, não é permitida a instalação de estabelecimentos de alojamento local em frações autónomas que, nos termos do respetivo título constitutivo da propriedade horizontal, sejam destinadas a habitação.

Não obstante o crescimento exponencial que a atividade do alojamento local sofreu nos últimos anos e, bem assim, o papel que teve no âmbito do desenvolvimento económico e da reabilitação do parque habitacional, em particular nos imóveis dos grandes centros históricos, que se encontravam desabitados e degradados, a atividade do alojamento local é essencialmente caracterizada pela rotatividade e aleatoriedade dos respetivos utentes, o que muitas vezes se traduz numa sensação de insegurança por parte dos habitantes permanentes do prédio e num aumento do desgaste das partes comuns e despesas adicionais para o condomínio.

A Jurisprudência ora assente veio, assim, uniformizar o seu entendimento sobre uma questão já muito debatida nos tribunais superiores: o conceito de habitação, como centro da vida doméstica e familiar e, como tal, intrinsecamente associado às características de sossego, tranquilidade, segurança e conforto, não é compatível com a atividade do alojamento local sempre que aquela finalidade – de habitação – esteja previsto no título constitutivo da propriedade horizontal.

Desta forma, parece surgir agora facilitada a tarefa de qualquer condómino que queira fazer cessar a exploração de um estabelecimento de alojamento local localizado em fração autónoma destinada, no título constitutivo, a habitação. Bastar-lhe-á, por sua livre iniciativa, e sem necessitar de deliberação da assembleia de condóminos, requerer o fim da exploração desse estabelecimento, o que só poderá fazer, por agora, mediante recurso aos tribunais judiciais, motivo pelo qual se antevê um aumento exponencial dos litígios pendentes sobre esta matéria.

Por outro lado, esta decisão levanta um conjunto de novas questões para aqueles que exploram estabelecimentos de alojamento local em frações autónomas destinadas a habitação, as quais, e na ausência de uma alteração legislativa que venha acomodar o entendimento agora uniformizado pelos nossos tribunais, serão apreciadas casuisticamente em cada processo, podendo até, em alguns casos, suscitar decisões em sentidos díspares.

Interrogações à parte, entendemos que a solução equilibrada passaria por exigir a exibição, no momento da apresentação da comunicação prévia com prazo, de ata da qual constasse deliberação unânime da assembleia de condóminos a autorizar a exploração de alojamento local em fração autónoma destinada a habitação. Solução que, refira-se, foi já objeto de um projeto de lei do Partido Socialista e que é aplicável no caso dos hostels. Devendo ser ainda regulada a forma de publicidade desta deliberação, por exemplo, por anotação à descrição genérica da certidão predial do imóvel.

Por ora, e na ausência de qualquer alteração legislativa que permita clarificar os efeitos práticos desta decisão, paira a incerteza na esfera jurídica daqueles que exploram atualmente alojamentos locais, bem como daqueles que pretendem investir no setor.

  • Beatriz Paredes
  • Advogada da Serra Lopes, Cortes Martins & Associados
  • Maria Sanches Afonso
  • Advogada da Serra Lopes, Cortes Martins & Associados

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