
Arbitragem: onde o mérito é o novo clube exclusivo
Enquanto advogados, os jovens arbitralistas encontram hoje espaço para crescer, aprender e afirmar-se. O desafio maior está noutro lado: no acesso ao papel de árbitro.
A arbitragem tem crescido em visibilidade, em reconhecimento, em sofisticação e, também, em ambição. Quem a ela se dedica sente-lhe o “pulso”: o cuidado técnico, a inovação, o ambiente internacional, a flexibilidade e a liberdade processual. No entanto, por mais que este meio de resolução alternativa de litígios avance, há um tema que continua a pedir palco: a representatividade.
Em outubro de 2023, durante a Hong Kong Arbitration Week, um evento com um nome tão inesperado quanto certeiro – “BARBIE-tration & KEN-flict Resolution” – pôs o dedo na ferida: quem está, afinal, sentado à mesa das decisões arbitrais? O convite era claro: Barbies, Kens, Allans, Weird Barbies, Pregnant Midge e todos os outros estavam incluídos. A leveza do tom contrastou com a seriedade da mensagem: a diversidade na arbitragem não chegou, ainda, onde devia.
Em Portugal, temos hoje uma comunidade arbitral activa, mais visível e, em muitos casos, mais meritocrática do que no passado. Como advogado, tenho tido o privilégio de participar em vários processos arbitrais e interagir com profissionais exemplares que muito contribuem para o desenvolvimento da arbitragem. O que vejo, porém, é que esta oportunidade não é igualmente acessível a todos e, sobretudo, que quando olhamos para os árbitros nomeados, continuamos a ver uma realidade pouco diversa. Não se trata de questionar o mérito de quem lá está. Trata-se de reconhecer que o caminho até lá é mais íngreme para uns do que para outros. E que a diversidade de perfis – em idade, género, experiência ou percurso – não é apenas um valor abstrato. É uma mais-valia concreta para a qualidade e legitimidade das decisões.
Enquanto advogados, os jovens arbitralistas encontram hoje espaço para crescer, aprender e afirmar-se. O desafio maior está noutro lado: no acesso ao papel de árbitro. As oportunidades escasseiam. E as nomeações ainda circulam, em demasiados casos, entre um número limitado de nomes.
Há sinais de mudança. Algumas instituições fazem esforços sérios para diversificar listas, abrir portas, recolher dados. Mas falta que esse esforço se torne a regra e não a exceção.
As IBA Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration alertam para este fenómeno: quando um árbitro é nomeado duas ou mais vezes pela mesma parte, num curto espaço de tempo, a imparcialidade pode ser (ou parecer) comprometida. Não se trata de um juízo de culpa, mas de uma regra de transparência.
Em Portugal, essa realidade também existe, agravada por um mercado ainda pequeno e pela rotatividade limitada de nomes. O que em algumas jurisdições é monitorizado com rigor, por via de práticas consolidadas, por cá depende sobretudo de declaração (voluntária) do árbitro. A cultura de divulgação é desigual e, sem mecanismos estruturados, as nomeações repetidas vão reforçando a perceção de um círculo fechado.
É precisamente aqui que a diversidade deve ser entendida como um critério de legitimidade essencial – e não como um gesto simbólico ou de mera cosmética. Diversidade não é só género ou idade: é também o reconhecimento de diferentes origens, experiências, contextos culturais e profissionais.
Cada voz que se senta à mesa das decisões traz consigo uma perspectiva que enriquece o processo e reforça a confiança nas decisões arbitrais. Uma arbitragem verdadeiramente representativa não é um idealismo: é uma necessidade para garantir a sua credibilidade e relevância no mundo atual.
A geração que aí vem – e aqui incluo-me com responsabilidade – tem o dever de continuar esse trabalho. De construir credibilidade, sim, mas também de exigir abertura. De fazer caminho, mas sem esquecer quem vem atrás. De falar de inclusão sem receio de parecer idealista. Porque a arbitragem será tão forte quanto o for a confiança que inspira.
Talvez o próximo passo seja mesmo esse: garantir que à mesa onde se decidem conflitos há espaço para todos os que a podem enriquecer. Não por estatística, mas por justiça.
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