Até quando conseguirá Mario Draghi conduzir a geringonça em Frankfurt?

Mario Draghi está a gerir o conselho de governadores do BCE de forma eficaz. Entre apoiantes e defensores da sua estratégia de compra de dívida pública. Mas convencer os mercados é mais difícil.

O conselho de governadores do BCE é uma espécie de geringonça e o seu presidente tem sido um condutor extremamente eficaz. Mario Draghi tem constantemente que encontrar um equilíbrio entre as varias sensibilidades: governadores de bancos centrais que entendem que as medidas do BCE foram longe de mais, outros governadores consideram que pecam por defeito e ainda a opinião dos técnicos. E isto, claro, ao mesmo tempo que tem de gerir as expectativas do mercado – claramente o vértice mais complicado de limar.

Mario Draghi deu mais um exemplo de como tem conseguido gerir esta gerigonça: tal como esperado, anunciou a extensão do programa de compra de dívida pública. E conseguiu ao mesmo tempo agradar a “falcões “e “pombas” enquanto tentava evitar que as expectativas de mercado se alterassem significativamente. Para já, parece que apesar de ter conseguido o consenso interno, ainda não conseguiu convencer o mercado.

Depois da decisão, unânime, o BCE vai diminuir a partir de Março o volume de compras de 80bn de euros para 60bn – tal como queriam os “falcões” do norte da Europa. Ao mesmo tempo, vai estender o programa por nove meses, até ao final de 2017, tal como queriam as “pombas” do sul. Finalmente, Mario Draghi tentou pelo menos deixar claro para o mercado durante a conferência de imprensa que esta redução do ritmo de compras pode não ser permanente, já que o conselho o pode voltar a aumentar caso seja necessário.

O BCE anunciou ainda algumas alterações mais técnicas que ficaram, ainda assim, aquém do esperado. O Eurosistema (BCE e Bancos Centrais nacionais) vai poder comprar obrigações com uma taxa de juro inferior à da taxa de depósito do BCE (-0.4pb) e com maturidade residual entre um e dois anos. Alterações menos consensuais, como o limite por emissão ou o final da percentagem no capital do BCE como referência para a distribuição por país, não foram (para já) feitas.

Segundo Draghi, algumas dessas alterações punham em causa os limites “legais e políticos” do BCE – ou seja, a oposição dos países do Norte foi mais forte. Ao comprar dívida com taxa negativa, os vários bancos centrais (principalmente dos países do norte) vão incorrer em perdas. Algo que não sendo propriamente fácil de “vender” internamente, sempre é melhor do que a hipótese de, por exemplo, ver o Bundesbank comprar mais divida italiana ou portuguesa do que alemã.

Ora, e pesando tudo isto, qual o impacto no mercado e principalmente o que esperar no futuro?

Para já, tendo em conta a reacção do mercado de dívida, parece que Mario Draghi não foi totalmente eficaz a passar a mensagem de que esta redução de compras não equivale ao princípio do fim do programa.

O BCE bem que tinha avisado, através de notícias não confirmadas, que poderia começar a reduzir o programa – já que depois do choque do FED em 2013 com o mercado, percebeu que seria melhor preparar o caminho… E o Super-Mário bem que tentou por várias vezes durante a conferência de imprensa dizer que esta redução pode não ser permanente e principalmente que não significa que vá reduzir ainda mais as compras no futuro – o famoso “tapering”.

No entanto, e por muito que tente, na prática as compras vão diminuir e apesar de ter estendido o programa por mais tempo do que o esperado, ao diminuir as compras, significa que o montante total comprado em 2017 vai ser menor. E mesmo que o BCE ainda tenha que estender o programa por mais um ano (até final de 2018), já que de acordo com as estimativas dos técnicos do BCE, a inflação ainda estará abaixo do objectivo dos 2% no final de 2019, essa extensão será provavelmente a um ritmo ainda menor.

Ainda que lentamente, a inflação vai subindo e o mercado de trabalho da área do euro vai também recuperando, sendo por isso necessário menos estímulos. E este cenário de recuperação da inflação torna-se ainda mais provável depois do resultado das eleições nos EUA.

Veremos como reagem os mercados nas próximas semanas, principalmente depois de termos os habituais comentários dos diferentes governadores que tentam sempre “clarificar” a mensagem para o lado que mais lhes convém. Jens Weidmann do Bundesbank costuma sempre fazê-lo nos dias imediatamente a seguir às conferências de imprensa…

De qualquer forma, o BCE deixou a porta aberta a novas alterações no futuro – leia-se aumento das compras, caso a economia fraqueje ou a incerteza politica passe também para o mercado. Ou seja, caso seja necessário, Draghi pode sempre convencer o Sr Weidmann e Cª de que são necessários mais estímulos. Esta garantia – que no caso de Draghi vale bastante – impedirá um aumento consistente das taxas de juro da dívida publica em todos os países incluindo Portugal, ainda que em menor medida.

Claro que se pensarmos a médio/longo prazo, quando a inflação recuperar, as taxas de juro terão de subir e, nessa altura, será difícil ou provavelmente impossível o consenso dentro do BCE. Inclusivamente, alguns países (como Portugal) deverão ver as suas taxas de juro subir para níveis insustentáveis. Mas, para já, ainda estamos longe disso… e no longo prazo, estamos todos mortos!

Resumindo: Draghi conseguiu mais uma vez o consenso dentro do BCE, mas o mercado é mais difícil de convencer e deverá começar já a incorporar a expectativa de que a fase de maior apoio já passou. Mas mesmo assim, o Super-Mário tem ainda espaço para voltar a surpreender no futuro, e capitalizou confiança para tal.

A política monetária tal como a geringonça, é difícil de gerir, mas mal ou bem, vai andando… até ao dia…

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