Editorial

Chega de mentiras

Ventura é uma criação do PS e do PSD e está a conseguir uma bipolarização do debate. Entre quem defende o sistema que nos trouxe até aqui e um partido que promete tudo a todos.

André Ventura é líder de um partido que está para lá da ideologia, quer ser uma espécie de ‘catch all‘ de todos os que ficaram para trás, dos que estão mais pobres, dos jovens que não têm um emprego remunerado de acordo com as suas expectativas, das corporações, dos mais velhos com baixas pensões, e promete tudo a todos. É nacionalista, conservador e estatista ao mesmo tempo que fala para os empresários e setor privado e quer uma economia mais competitiva, é quase tudo e o seu contrário, mas o seu inquestionável sucesso diz mais do PS e do PSD do que das suas próprias qualidades.

Em vez de discutirem, e desmontarem as propostas do Chega, o PS alimentou o seu crescimento de firma cínica durante anos e seguiu a estratégia da cerca sanitária, enquanto o PSD nunca soube verdadeiramente lidar com uma nova realidade política e partidária à sua direita. O envelhecimento do regime, incapaz de se reformar por dentro, trouxe-nos a 2024, a um governo de maioria absoluta que cai de podre, manchado outra vez por casos de corrupção. E o Chega aparece, agora, como a terceira força política e a poder condicionar o que serão os resultados de 10 de março.

As propostas de André Ventura não resistem a uma simples verificação através do Google, não são simplesmente passíveis de serem executadas e algumas delas têm pressupostos errados (para não dizer outra coisa). Seria desejável um aumento de pensões, como é óbvio, mas o país não cria riqueza suficiente para pagar um salário mínimo a todos os pensionistas, coisa bem diferente da proposta do PSD, financeiramente responsável, para o aumento do Complemento Solidário para Idosos, que leve a soma de rendimentos ao salário mínimo. Não há imposto sobre a banca ou recuperação de fundos da economia paralela ou da corrupção que chegue… Só para Ventura, que pode prometer tudo, sem filtro.

Qual é o problema. As mentiras do Chega passaram a ser verdades para segmentos eleitorais que não têm respostas dos partidos do sistema, cansados de serem enganados por outras promessas. Quem prometeu médico de família para todos ou uma habitação digna para todos? O PS foi manifestamente incompetente nos últimos oito anos, António Costa foi um mau primeiro-ministro apesar das condições económicas, primeiro, e políticas, depois, excecionais. Mas o PSD, à porta do poder, convenceu-se que a melhor forma de regressar ao Governo é acusar o PS de incapacidade política, coisa elementar, e apostar quase tudo em ser um PS competente, sem arriscar.

André Ventura é populista, sim, promove o culto da personalidade, acena de forma pueril com o nome de Francisco Sá Carneiro, cria factos falsos como a narrativa dos imigrantes e os subsídios públicos. Tudo isto é verdade, mas está a condicionar de forma evidente a discussão política. E está a transformar o debate, verdadeiramente, entre duas escolhas: Entre o PS (e o PSD) e o Chega. Entre quem defende o modelo que temos, mais à esquerda ou à direita, e a rutura, o anti-sistema. O Chega propõe um caminho para o desastre, mas está a conseguir pôr o país a discutir desta forma, com a cumplicidade do PS e do PSD por ato e omissão, respetivamente.

É essa a estratégia de Ventura. Omite a AD, transformando-a numa subespécie do PS, e define o seu adversário: Pedro Nuno Santos. Portanto, o seu sucesso eleitoral dependerá mesmo do fracasso da AD e de Montenegro for capaz de ganhar as eleições, o Chega perde “o momento”, como se ouviu nesta convenção.

Luís Montenegro assumiu uma posição clarificadora e corajosa sobre o que fará no dia 10 de março, coisa que Pedro Nuno Santos, diga-se de passagem, mantém em aberto. Mas o líder do PSD tem de ser uma alternativa ao PS, outro caminho, não pode ser apenas uma alternância, que faz mais do mesmo, mesmo que o mesmo seja mais bem feito. E não basta uma AD com um CDS fragilizado e um PPM que envergonha.

Faltam menos de dois meses e, além da criação de riqueza e dos impostos, o PSD tem de ter um discurso para os polícias, para a imigração, para a corrupção e a justiça, tem de explicar aos eleitores como garante o aumento de pensões sem pôr em causa a sustentabilidade da segurança social, tem de enfrentar a necessidade de uma reforma do Estado, o acesso à saúde e educação. Se fugir desses temas, vai dar espaço a uma bipolarização entre o bloco central e o Chega e não, como se antecipava, entre a esquerda e a direita.

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