Como criar uma cultura de trabalho saudável?
De pouco vale espalhar ou tatuar citações atrevidas quando as ideias dos trabalhadores enfrentam um maior calvário nas aprovações hierárquicas que no contacto com cliente.
Não há como ter um diploma em Gestão – de Pessoas ou não – sem abordar, ou mesmo desenvolver, projetos centrados na importância e fragilidade da cultura empresarial. E ainda assim, talvez por esta ambiguidade entre poder e fragilidade, veneração e desvalorização, misticismo e evidência, acaba por ser dos tópicos onde mais mitos e panaceias surgem.
A primeira surge na abordagem à cultura como algo que se imprime. Que se define e altera com cliques e teclas. Seja em reuniões de board ou retiros de equipa, não é com listas de valores que se reformulam bienalmente, ou são promovidos a letras garrafais nas paredes dos open spaces, que a cultura existe ou se muda. Se pretendemos criar uma cultura empreendedora, de pouco vale espalhar ou tatuar citações atrevidas, quando as ideias dos trabalhadores enfrentam um maior calvário nas aprovações hierárquicas que no contacto com cliente. E claro que é fácil entrar no “comboio da diversidade” com mudanças editoriais nas páginas online. Mais difícil é procurar parcerias com comunidades de emancipação de minorias, ou investir em treinos e formações sobre preconceitos inconscientes. A cultura existe em exemplos; nos comportamentos e histórias que dela advêm.
O que, verdade seja dita, não nos ajuda na procura da resposta a este repto. De facto, criar uma cultura, para a grande maioria dos interessados no tópico, é algo que só está ao alcance de founders que estejam a trabalhar com uma folha em branco ou perto disso. Para a grande maioria de nós, o melhor que conseguiremos é tornar a nossa cultura de trabalho mais saudável. Trabalhar sobre aquilo que temos, sobre a cultura que herdámos ou criámos. E essa é uma pergunta mais fácil de responder.
Para progredirmos, temos de saber onde estamos. Começando por quantitativamente aferir, a todos os níveis hierárquicos e departamentais, aquilo que os trabalhadores valorizam, e aquilo que identificam na empresa. Eventualmente perceberemos quais os valores mais identificados, ou que há dimensões onde estamos desligados do que os trabalhadores procuram, o que deve fazer soar alarmes. A minha empresa é um sítio onde… pode ser também uma boa forma qualitativa de perceber aqueles que são os valores de facto da empresa.
A partir daí, temos o nosso diagnóstico, sobre o qual podemos agir de forma a, por um lado, minimizar o gap entre aquilo que a empresa e os trabalhadores identificam enquanto cultura (sempre com base em comportamentos e situações); por outro, perceber quais as dimensões culturais onde este desalinhamento tem de ser corrigido, seja através da revisão de processos e práticas, seja através do recrutamento, que em vez do culture-fit, pode considerar o culture-add (aquilo que novos candidatos podem acrescentar à cultura existente).
Uma cultura de trabalho saudável é uma cultura real que corresponde ao que os trabalhadores valorizam. Dependendo destes, pode representar trabalho das 9h00 às 17h00, ou uma maior flexibilidade. O dever ou o direito a desligar. Mais ou menos reuniões.
O desafio nesta transformação não é só a armadilha do benchmarking cultural que faz muitos – independentemente da sua realidade – quererem ser a Google ou a GitLab, adotando e copiando os seus modelos. É o compromisso de todas as áreas – ou seja, não só RH ou people -, com a medição, a compreensão, e a reação às métricas de cultura, que em tudo impactam a retenção de talento. Que, como com clientes, fica muitas vezes mais barata que a aquisição.
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