Consultora-agência vs agência-consultora

  • Duarte Vilaça
  • 5 Março 2023

Boa concorrência faz bem a todos. Algumas agências serão engolidas, as que não se adaptarem fecharão portas.

Ao consolidar mais de 40 agências debaixo da Accenture Song – comandada por David Droga – a consultora de gestão e tecnologia Accenture entrou directamente para o ranking das cinco maiores agências criativas do Mundo.

Com uma projeção de receita de 14 mil milhões de dólares para 2022, a Accenture Song focou-se na contratação de talentos de várias indústrias, quebrando uma divisão clássica entre a consultoria de gestão e a consultoria estratégica de marcas. O exemplo foi seguido por empresas como a Deloitte, o que levanta vários desafios às agências chamadas “convencionais”.

Desde logo o desafio do acesso: as consultoras têm um histórico de relação ao mais alto nível nas empresas, sendo-lhes mais fácil por essa via – e pelo conhecimento que têm do negócio dos seus clientes – apostar num cross-selling e chamar a si a resolução dos seus desafios de criatividade.

Depois o desafio da captação e retenção de talento, tornada mais difícil pela entrada das consultoras no mercado, cuja notoriedade, força de marca e poder financeiro vieram desequilibrar o tabuleiro de jogo. A contratação do ex-Apple Nick Law pela Song é apenas um exemplo.

Finalmente o desafio da multidisciplinaridade: é consensual a importância da criatividade na redefinição de um mundo pós-pandémico, cada vez mais tecnológico, pelo que a capacidade de cruzar informação, entender o consumidor e projetar o futuro pode afigurar-se grande demais para muitas agências.

A par destes desafios reais existem oportunidades para as agências “convencionais” sendo a primeira das quais a (re-)valorização da criatividade no dia-a-dia dos negócios. E, já agora, do papel que a estratégia desempenha no suporte à mesma. Em Portugal, muitas agências não souberam defender o seu posicionamento junto dos decisores. A proliferação de canais e conteúdos atomizou disciplinas e especialidade e perdeu-se a visão do todo. Com isso diluiu-se valor e verificou-se uma sangria de talentos: para os clientes ou para outros sectores de atividade. As consultoras prestarão um serviço fundamental para voltar a pôr as coisas no seu devido lugar.

O segundo aspeto positivo é o da concorrência e o do nivelamento por cima, ao contrário da história recente do setor. Estou certo que muitas agências revisitarão a sua proposta de valor, robustecendo a componente estratégica e – consequentemente – a capacidade de responder cada vez melhor aos desafios das organizações. Boa concorrência faz bem a todos. Algumas agências serão engolidas, as que não se adaptarem fecharão portas.

O desafio da multidisciplinaridade irá também obrigar a que as agências criem um ecossistema de parcerias onde poderão aprender e responder melhor e mais rápido, agindo de forma mais conectada e colaborativa. A agência tipicamente fechada no génio dos seus quadros tem os dias contados.

Igualmente importante será a gestão da escala e proximidade face o modelo “fábrica” das consultoras, onde a gestão de uma carteira de clientes assente na qualidade deverá prevalecer sobre volume e indiferenciação.

Chegou por isso momento de também as agências se adaptarem a um mundo cada vez menos convencional e olharem para esta nova configuração do setor com maior auto exigência, reocupando um lugar que nunca deveriam ter perdido, lado a lado com os seus novos concorrentes. Não acredito que haja lugar para todos, mas aqueles que ao longo do tempo apostaram consistentemente na construção de equipas onde a estratégia e a criatividade andam de mãos dadas estarão mais preparados para se adaptar e crescer em resultados.

Uma nota final – que será crítica nesta discussão: sendo a criatividade o centro da proposta de valor, será importante avaliar as reais condições que as consultoras-agência conseguirão recriar nas suas estruturas para que a mesma possa ser vivida sem compromissos. Uma cultura excessivamente racional pode limitar a ingenuidade, intuição, paixão e risco, necessárias para quem se propõe fazer as maiores transformações.

  • Duarte Vilaça
  • Partner e chief creative officer da Born

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