Covid-19: os litígios vão disparar e é preciso geri-los já
Aquilo que temos pela frente é um cenário de uma quase tempestade perfeita: a necessidade que muitos juízes irão sentir de recuperar o atraso que muitos processos judicias sofreram.
O tempo ainda é de reação à crise desencadeada pelo Covid-19. Perante a travagem económica, as empresas passaram os últimos dois meses focadas na implementação de medidas sanitárias, laborais e de apoio à tesouraria e na adequação do seu modelo económico ao novo contexto, em todas as suas vertentes.
Mas presente e futuro, no atual enquadramento macroeconómico, não distam entre si. E o momento atual é crítico para salvaguardar a saúde económico-financeira das empresas. Isto passa, necessariamente, por uma reavaliação das opções e, em muitos casos, por um reajustamento das relações comerciais com os seus parceiros. Esse movimento já é notório e faz adivinhar uma realidade que não surpreenderá ninguém: as divergências com parceiros, fornecedores, clientes ou credores tornam-se cada vez mais evidentes, o que, com elevada probabilidade, levará a uma escalada litigância entre entidades privadas (deixemos, por agora, de lado o risco de litigância com entidades do setor público, que daria, por si só, para escrever vários artigos).
Aquilo que temos pela frente é um cenário de uma quase tempestade perfeita: a necessidade que muitos juízes irão sentir de recuperar o atraso que muitos processos judicias sofreram em consequência das medidas excecionais e temporárias aprovadas na área da justiça, junta-se ao previsível aumento considerável de novos processos judiciais, decorrentes do impacto económico da pandemia, o que certamente provocará um significativo congestionamento nos tribunais, com o inevitável aumento na morosidade dos processos judiciais que isso certamente acarretará.
Assim, uma gestão prudente tem de incorporar, como aspeto estratégico, uma prevenção ativa de litígios, ainda que assumindo que alguns deles acabarão, em última análise, na esfera judicial.
Uma boa gestão de uma situação de pré-litígio pode traduzir-se numa significativa poupança de tempo e custos judiciais em caso de litígio e pode influenciar decisivamente o seu resultado. As empresas devem, por isso, colocar-se um conjunto de questões que lhes permita, numa primeira fase, fazer um diagnóstico de crise e, numa segunda fase, delinear um plano de ação para mitigar custos associados ao incumprimento contratual, ao mesmo tempo que preparam o terreno para os litígios que não for possível evitar.
Uma das primeiras análises a fazer será avaliar se a empresa (e as suas contrapartes) se mantêm solventes e com capacidade de cumprir as suas obrigações contratuais. Uma análise destas dimensões pode ajudar a aferir da necessidade de atuar precocemente e será sempre útil para ajustar as expectativas de ambas as partes e determinar o tipo de medidas e a abordagem a adotar, quer na fase de negociação, quer na eventual tomada de decisão de avançar para tribunal (e a definir em que termos).
Num segundo momento, é importante perceber qual o impacto da situação de pandemia e travagem económica em que vivemos e, em particular, das medidas temporárias e excecionais aprovadas pelo Governo e pelo Parlamento nos seus contratos ou nas suas relações comerciais com parceiros e clientes. Toda esta situação e este novo quadro legislativo podem alterar ou suspender cláusulas contratuais ou alterar de forma sensível a economia dos contratos e os direitos e obrigações das partes, o que poderá também justificar a tomada de medidas.
Feito o diagnóstico, trata-se de procurar soluções e aqui negociar deve ser a primeira opção. Os processos judiciais, por regra, são morosos, caros e desgastantes, pelo que é fundamental ser proativo, abordar os parceiros comerciais, encetar precocemente processos negociais e esgotar todas as hipóteses de negociação antes de avançar para tribunal.
Os processos de negociação devem ter como objetivo compor ou reajustar os interesses das partes, mas sem nunca descurar a preparação potenciais litígios, já que alguns deles não serão evitáveis. Seguir uma lógica de prudência e nunca renunciar ou comprimir direitos é, por isso, fundamental. Sempre que possível, estes processos devem ser conduzidos por advogados, para assegurar a sua confidencialidade, bem como que, em caso de sucesso, o acordo seja vinculativo para as partes e válido em tribunal.
Por último, nas situações mais críticas, o diagnóstico deve igualmente ponderar a razoabilidade e a necessidade de recorrer ou participar em processos de recuperação com os credores ou devedores, como o RERE ou o PER, ou, sendo o caso, de requerer ou apresentar-se à insolvência (em determinados casos, há prazos legais a cumprir).
Vivemos tempos em que, com nunca, a incerteza é grande e em que a capacidade de antecipar o futuro próximo nunca foi tão reduzida. A chave, por isso, não está em ser capaz de antecipar com precisão o futuro, mas antes em estar preparado para reagir a todos os cenários.
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