Deixemos o mercado funcionar

  • Ricardo Nunes
  • 17 Novembro 2023

Uma opção que merece ser incentivada, especialmente quando a procura supera a oferta, são os leilões.

Os recentes acontecimentos na nossa vida política, especialmente centrados no setor da energia, revelaram também a fragilidade e complexidade dos processos de atribuição de licenças e concessões na energia. Estes processos devem equilibrar a necessidade de garantir equidade entre os concorrentes e a escolha de projetos que impulsionem o desenvolvimento económico e social do nosso país.

As políticas de transição energética, não apenas em Portugal, mas em todo o mundo, enfrentam uma série de desafios técnicos e financeiros de difícil análise e resolução. Por isso, mais do que nunca, é crucial não pensarmos em decisões grandiosas e únicas, mas sim em soluções que contribuam para um mix energético consistente, progressivo e financeiramente sustentável para as próximas gerações.

Uma opção que merece ser incentivada, especialmente quando a procura supera a oferta, são os leilões. Essa ferramenta, que possui diversos modelos dependendo do objetivo final, tem séculos de existência. No passado, em Portugal, projetos bem-sucedidos no setor tiveram origem em processos competitivos sob a forma de leilões.

Os leilões desempenham um papel fundamental nos mercados de energia e na atribuição de licenças de produção, sendo um mecanismo eficaz para melhor alocação de recursos e promoção da eficiência no setor energético. Esses eventos proporcionam benefícios tanto para os participantes do mercado quanto para a sociedade como um todo.

Em primeiro lugar, os leilões oferecem um ambiente transparente e competitivo para a atribuição de licenças de produção de energia. Através desse processo, as empresas interessadas em desenvolver projetos energéticos competem entre si, apresentando propostas que incluem não apenas o preço, mas também aspetos como eficiência, sustentabilidade e inovação. Isso estimula a inovação e a busca por soluções mais eficientes, contribuindo para o avanço tecnológico no setor.

Por outro lado, os leilões permitem a descoberta do preço mais justo para a energia ou para um determinado projeto. O mecanismo de leilão pode inclusive colocar em competição diferentes fontes de energia, levando à definição do preço de forma eficiente. Isso é crucial para garantir que os recursos disponíveis sejam considerados de forma otimizada, maximizando o retorno para os investidores e minimizando os custos para os consumidores.

Os leilões também desempenham um papel importante na promoção da diversificação do mix energético. Ao criar um ambiente competitivo, os leilões incentivam a entrada de novas tecnologias e fontes de energia no mercado, reduzindo a dependência de fontes tradicionais e contribuindo para a sustentabilidade ambiental.

No entanto, para evitar erros do passado, onde as regras dos leilões e o nível de exigência aos participantes não foram adaptadas à realidade do setor e do país, é crucial respeitar as características fundamentais de um leilão eficaz:

  • Transparência: O processo de leilão deve ser transparente, proporcionando acesso claro e aberto a informações relevantes para todos os participantes. As regras do leilão, critérios de avaliação e resultados devem ser divulgados de maneira clara e acessível.
  • Competitividade: Um leilão confiável deve promover a competição entre os participantes, estimulando a eficiência, inovação e a obtenção do melhor preço para a energia.
  • Imparcialidade: O processo de leilão deve ser imparcial e livre de influências externas. As regras devem ser aplicadas de maneira justa para todos os participantes.
  • Flexibilidade: Os leilões podem ser projetados para acomodar diferentes tipos de tecnologias e fontes de energia, promovendo a diversificação da matriz energética.
  • Avaliação de Impactos Ambientais: Leilões podem incorporar critérios que consideram os impactos ambientais dos projetos, incentivando práticas sustentáveis e o desenvolvimento de fontes de energia limpa.
  • Garantias Financeiras: Exigir garantias financeiras aos participantes adequadas, ajudará a garantir que apenas aqueles com recursos adequados participam no leilão, reduzindo o risco de incumprimentos ou mesmo insolvências.
  • Mecanismos de Ajuste Pré-definidos: Mecanismos flexíveis que permitam ajustes nos contratos em resposta a mudanças nas condições de mercado ou regulatórias podem aumentar a eficácia e a estabilidade do leilão.

Naturalmente, sendo a energia um bem público, e o fornecimento e acessibilidade um serviço público essencial para a vida das populações, nem todas as atribuições podem depender de um processo competitivo entre partes. É fundamental, portanto, salvaguardar que pessoas em situações mais frágeis, localidades mais isoladas ou empresas em processo de recuperação não sejam deixadas para trás por qualquer interesse unicamente concorrencial. Essas serão as exceções, assim como questões de segurança de abastecimento dos países, mas a regra deve ser, termos um sector de energia cada vez mais competitivo nos diferentes pontos da cadeia de valor. Uma transição energética combinada com crescimento económico, é um desafio enorme, que só será possível superar com um mercado que funcione e faça sentido para cidadãos, consumidores e investidores.

(Este espaço de opinião é pessoal, não vinculando as entidades com as quais o autor tem relação profissional ou associativa)

  • Ricardo Nunes
  • Economista, Chief Strategy Officer do OMIP, membro do Observatório de Energia da Sedes

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