E se nos zangarmos?
Zangámo-nos. E agora? De quem é o projeto? De quem é o produto em desenvolvimento? De quem é o software? A resposta varia.
Três amigos, três formações complementares, um projeto inovador. Um génio da gestão que teve a ideia, que a partilhou e desenvolveu com um génio do marketing e com um génio da informática. Começam o desenvolvimento do produto a bom ritmo, entraram numa incubadora para validação da ideia, tiveram as primeiras formações sobre criação e desenvolvimento de negócios. A ideia foi sendo validada com parceiros, mostraram apetite por investimento seed para desenvolvimento do minimum viable product (MVP) e finalmente os três amigos sentaram-se para discutir a formalização da constituição da empresa. O fundador gestor propôs que, por ter sido sua a ideia e a constituição da equipa, deveria ter uma percentagem de capital maior. O informático argumentou com a injustiça que isso era para a quantidade gigantesca de horas que havia trabalhado no projeto e que eram já um múltiplo das horas de trabalho dos demais. O marketeer não gostava da ideia, mas dispunha-se a ceder para se chegar a um consenso.
A reunião foi inconclusiva, assim como a segunda realizada no dia seguinte. Depois desse dia o informático deixou de aparecer e informou por sms que estava fora do projeto.
Como advogados de startups cruzamo-nos com esta história ou com variantes da mesma todos os meses!
Zangámo-nos. E agora? De quem é o projeto? De quem é o produto em desenvolvimento? De quem é o software?
A resposta varia em função das situações em concreto, mas pode-se adiantar que o princípio geral é de que a propriedade intelectual do produto em desenvolvimento é de quem o desenvolve efetivamente. Assim não será se for um produto desenvolvido a pedido de terceiro e objeto de remuneração pela prestação de serviços ou se de outra forma as partes regularem o tema.
Em qualquer caso, o que releva aqui é que a falta de adequada regulação desta matéria pode ser a morte de um projeto promissor ou pode facilmente levar o projeto para outras paragens, até porque é bastante normal que as pessoas se zanguem umas com as outras (resulta da condição humana…).
Sabemos todos que numa startup falta muitas vezes tempo e dinheiro para se tratarem de assuntos que à primeira vista serão secundários como a regulação da relação entre os fundadores, mas a experiência diz-nos que o que não é regulado cedo mais tarde pode tornar-se um problema inultrapassável.
Tão importante como desenvolver o MVP que lançará a startup no mercado é assegurar que a titularidade do projeto, a titularidade da marca ou a titularidade do produto em desenvolvimento não estão em terra de ninguém ou à mercê de um dos fundadores em detrimento dos demais.
É, por isso, fundamental que muito cedo no processo de desenvolvimento os fundadores assentem por escrito as regras que regularão a sua relação, mesmo que ainda não tenham sociedade constituída e apenas a venham a ter meses depois ou mesmo que nunca cheguem a constituí-la.
Este “parassocial do projeto” (chamemos-lhe assim) deve regular qual a futura repartição de capital entre os fundadores, a titularidade (conjunta ou não) de tudo aquilo que vier a ser criado, regras de confidencialidade, regras de cedência de direitos e de não concorrência em caso de abandono do projeto e esboçar as regras de funcionamento da sociedade a constituir no que toca à assunção da gerência/administração e maiorias de voto nas reuniões de assembleia geral.
Pode parecer complexo, mas não precisa de o ser. Em qualquer caso necessita mesmo é de ser regulado, porque realmente complexa é a situação acima descrita e são as consequências daí emergentes. É que quando as situações nos chegam já neste ponto de rutura dificilmente haverá alguma solução fácil e razoável do ponto de vista jurídico e/ou financeiro que permita reverter a situação.
É normal as pessoas zangarem-se. É menos normal pensarem que isso nunca vai acontecer e quais as consequências que daí advêm.
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