Empreendedorismo: competências a desenvolver para ser bem-sucedido na era da sustentabilidade

  • Rita Nascimento e Constança Santos
  • 18 Fevereiro 2021

Para ser um empreendedor na era da sustentabilidade é fulcral criar uma ligação pessoal aos temas da sustentabilidade e uma crença de que este é o modelo do futuro.

Nos últimos anos temos assistido a uma redefinição do propósito e do papel das empresas na sociedade. As visíveis desigualdades sociais e as consequências das alterações climáticas têm fomentado essa discussão. Prova dessa redefinição é a mais recente Declaração de Propósito de uma Empresa da Business Roundtable, assinada por CEOs de empresas como Amazon, Apple, Coca-Cola e Siemens.

Historicamente esta declaração indicava que o principal propósito de uma empresa era servir os seus acionistas. A versão mais atual da declaração dá um sinal claro de ajuste de propósito nesta era da sustentabilidade. Hoje, CEOs das maiores empresas do mundo, reconhecem que as empresas devem servir vários stakeholders: servir os clientes indo ao encontro das suas expectativas; investir nos trabalhadores, pagando de forma justa, providenciando formação e promovendo a inclusão, diversidade, dignidade e respeito; trabalhar com os fornecedores de forma justa e ética; apoiar a comunidade em que o negócio se insere, respeitando as pessoas e protegendo o meio ambiente através de práticas sustentáveis; e gerar valor para os acionistas de forma transparente.

Ter em consideração este reajuste de propósito é fundamental para se falar em empreendedorismo na era da sustentabilidade. Claro que muitas das competências necessárias para se empreender de forma bem-sucedida se mantêm. A resiliência, persistência, a capacidade de arriscar e de inovar continuam a ser fundamentais. No entanto, acreditamos que há outras competências que são necessárias para se criar e gerir negócios verdadeiramente sustentáveis.

Para ser um empreendedor na era da sustentabilidade é fulcral criar uma ligação pessoal aos temas da sustentabilidade e uma crença de que este é o modelo do futuro. Aprender a gerir de forma sustentável exige uma mudança profunda na forma como pensamos e agimos, uma ‘paixão pela sustentabilidade’. A aprendizagem desta paixão faz-se através de uma combinação holística que integra a dimensão física, emocional e espiritual com a abordagem cognitiva e intelectual sobre os diferentes problemas mundiais e potenciais soluções. Assim, os empreendedores devem não só ter conhecimento de técnicas e conceitos de gestão, mas também pensamento crítico, uma perspetiva abrangente dos vários tópicos do desenvolvimento sustentável e, mais intrinsecamente empatia, cultivando a sua responsabilidade e solidariedade pelo outro.

Os princípios da sustentabilidade dizem que há três aspetos fundamentais a ter em consideração em modelos de negócios sustentáveis: maximização do retorno financeiro, minimização do impacto ambiental e maximização do impacto social. E, desde sempre, as empresas têm olhado para estes três aspetos como sendo maioritariamente antagónicos, ou seja, pensando, por exemplo, “maximização do lucro ‘ou’ redução da pegada ambiental”.

O Professor catedrático da Nova SBE Miguel Pinha e Cunha tem passado os últimos anos a estudar aquilo que denomina de paradoxos: a capacidade de atender, integrar e gerir os interesses, aparentemente opostos, de diferentes stakeholders. Esta forma de abordar simultaneamente os diferentes interesses é tipicamente exemplificada pela troca da conjunção coordenativa “ou” – que implica uma escolha por um dos interesses envolvidos, logo negligenciado a outra parte – pela “e” – que tem subjacente a consideração os diversos interesses em simultâneo. Acreditamos que a capacidade de pensar paradoxalmente será essencial para qualquer empreendedor nos dias de hoje, uma vez que, pegando no exemplo anterior, lhes permite pensar “maximização do lucro ‘e’ redução da pegada ambiental”.

Muitos negócios bem posicionados no mercado encontraram na Responsabilidade Social Corporativa a sua forma de contribuir para uma sociedade melhor. No entanto, estas empresas não têm necessariamente sustentabilidade incorporada no seu modelo de negócio. A nossa crença é de que a sustentabilidade corporativa é o modelo que permite dar resposta aos desafios ambientais e sociais do século XXI. Aqui, os princípios da sustentabilidade são incorporados no modelo de negócio e no DNA da empresa, desde estratégia e operações a processos e cultura.

Por isso, ser empreendedor na era da sustentabilidade, significa desenhar modelos de negócio que são sustentáveis de raiz. Ou seja, modelos que incorporam o impacto social e ambiental no centro do negócio. A isto chamamos “first do no harm” – um mindset que representa a consciencialização de que criar um negócio implica pensar de forma tripartida, considerando a maximização do lucro, minimização do impacto ambiental e maximização do impacto social.

O setor da educação, principalmente o ensino superior, desempenham um papel fundamental, como um dos pilares para a construção de valores e a formação das próximas gerações. No foro internacional, tem sido muito debatida a importância que as universidades desempenham na ‘educação para a sustentabilidade’. Com a Agenda 2030 das Nações Unidas, a ‘educação para o desenvolvimento sustentável’ reafirmou a sua importância sendo que é vista como a melhor forma para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Na declaração de Incheon ‘Educação 2030’, os membros assumiram que a sua visão é ‘transformar vidas através da educação ao reconhecer o seu importante papel como principal impulsionador para o desenvolvimento e para o alcance de outros ODS propostos’.

Ser empreendedor na era da sustentabilidade exige ter um conjunto de competências que não eram consideradas essenciais há 20 ou 30 anos atrás. Como não podia deixar de ser, acreditamos que as universidades desempenham um papel fundamental na promoção do desenvolvimento sustentável e das competências necessárias para que os seus alunos se tornem ‘agentes de mudança’, incorporando a linguagem da sustentabilidade nos seus programas e atividades – educação, investigação, iniciativas no campus e envolvimento com a comunidade. Efetivamente hoje em dia, existem inúmeros exemplos de universidades que já integraram estes temas no seu currículo, seja apenas através de disciplinas especificas ou de novas ofertas educativas. Assim, para inspirarem uma ‘paixão pela sustentabilidade’ nos futuros empreendedores, é preciso ir mais além e repensar a forma como ensinam, dentro e fora do currículo, e ter uma abordagem mais holística. A sustentabilidade deve, assim, ser integrada na experiência e no caminho de aprendizagem dos alunos, futuros empreendedores.

*Constança Santos é diretora associada do Nova SBE Leadership for Impact Knowledge Center; Rita Nascimento é responsável pela jornada de empreendedorismo do Mestrado em Empreendedorismo de Impacto e Inovação da Nova SBE e candidata ao Doutoramento em Gestão (Educação para a Sustentabilidade).

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