ESG e Concorrência, a história que começa a ser escrita
As políticas de ESG são cada vez mais percecionadas como essenciais, mas no seu cumprimento as empresas não estarão isentas das suas obrigações relativas ao cumprimento das regras da concorrência.
As questões ambientais, sociais e de governação (Environmental, Social and corporate Governance – “ESG”) são uma oportunidade para as empresas demonstrarem aos seus clientes e investidores que têm um forte compromisso para melhorar a sua responsabilidade empresarial, através da implementação de políticas de sustentabilidade.
Para muitas empresas, este novo enquadramento, além da tal oportunidade de inovação e transformação, acaba por ser também uma derradeira forma de sobrevivência empresarial num mundo que se quer melhor.
Nesta nova era da sustentabilidade, as empresas, para garantirem a sua vantagem competitiva, reconhecem a necessidade de abordar proactivamente estas questões ESG. Algumas poderão progredir sozinhas, mas, para muitas, será necessária a colaboração dentro das respetivas indústrias para conseguir provocar estas mudanças. É precisamente nesta colaboração entre empresas que entram as regras da concorrência.
Historicamente, a análise jusconcorrencial dos acordos entre empresas concorrentes realizada pela Comissão Europeia e pela Autoridade da Concorrência, em especial no que respeita ao balanço entre os efeitos pro-concorrenciais e os efeitos restritivos da concorrência de um acordo, tem sido no sentido de excluir quaisquer fatores não económicos – tais como benefícios ambientais e outros benefícios de sustentabilidade -, focando-se numa análise estrita de eficiências económicas, o que implica a correlativa prova da quantificação dos benefícios económicos para os consumidores (em especial, o preço) em determinado mercado relevante.
E é aqui que se começa a escrever a nova história: farão ainda sentido estas regras estritas ou, ao invés, deverá haver uma maior flexibilização das regras de concorrência na cooperação entre concorrentes que visam alcançar objetivos de sustentabilidades?
Depois de um longo debate, a resposta começa a ser dada e o caminho segue o trilho da flexibilização, com as autoridades de concorrência nacionais e a Comissão Europeia a contribuir indiretamente para os objetivos ESG, através de medidas que visam garantir maior segurança jurídica às empresas na criação e colaboração em projetos de sustentabilidade.
Paradigmático desta mudança são as novas Orientações Horizontais da Comissão Europeia, que entrarão em vigor, na sua versão revista, em 1 de janeiro de 2023.
As Orientações, reconhecendo a importância crescente que os acordos entre concorrentes podem ter na realização dos objetivos do Pacto Ecológico Europeu, visam proporcionar maior clareza sobre a forma de avaliar os acordos de sustentabilidade à luz das regras de concorrência, incluindo, para o efeito, toda uma nova secção dedicada à sustentabilidade.
Acordos entre empresas com objetivos de sustentabilidade que restrinjam a concorrência continuam a só poder beneficiar de uma isenção se as restrições forem indispensáveis à concretização do acordo e se os consumidores obtiverem uma parte equitativa dos benefícios daí resultantes. A novidade nesta análise é que é alargado o tipo de benefícios que serão considerados relevantes.
Serão assim valorados benefícios diretos, que refletem considerações tradicionais de eficiências, através da quantificação dos benefícios diretos relacionados com as características intrínsecas de um produto, tais como melhoria da qualidade ou diminuição do preço; mas também serão valorados benefícios qualitativos indiretos, ou seja, os benefícios resultantes da perceção da utilização sustentável de um produto pelo consumidor.
Abre-se, também, a possibilidade de as empresas argumentarem que existem benefícios não só para os beneficiários dos produtos em causa, mas também benefícios coletivos relacionados com externalidades positivas para a sociedade, tais como acordos que promovam o abrandamento das alterações climáticas ou a redução da poluição em grande escala.
As diversas autoridades, incluindo a Autoridade da Concorrência, dão claros sinais de que a promoção da sustentabilidade e a defesa da concorrência não são dimensões opostas, e abrem caminho para uma flexibilização na análise dos acordos que contribuem para a sustentabilidade e cumprimento das metas ESG.
Esta flexibilização está, contudo, longe de significar um sacrifício do direito da concorrência. As autoridades de concorrência não deixarão de averiguar se o acordo é, de facto, necessário, e também não deixarão de fazer uma avaliação sólida dos alegados benefícios, nem tão-pouco perderão de vista o risco de cartéis disfarçados de pactos de promoção da sustentabilidade (greenwashing).
As políticas de ESG são cada vez mais percecionadas como essenciais, mas no seu cumprimento as empresas não estarão isentas das suas obrigações relativas ao cumprimento das regras da concorrência.
A promoção da sustentabilidade não significa a despromoção da concorrência
A história entre ESG e concorrência começa a ser escrita.
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