Este país não é para velhos

  • Raquel Caniço
  • 4 Junho 2020

Por força do vírus silencioso, nunca antes foi tão urgente em Portugal, refletir-se na criação do Estatuto do Idoso, autonomizando-se como grupo vulnerável.

É, somente, no título e na representação de Tommy Lee Jones sobre a sua inadaptação ao mundo e sua profunda crise de valores, no galardoado filme, que fazemos o paralelismo com o thriller dos irmãos Coen.

De facto, por força do vírus silencioso, nunca antes foi tão urgente em Portugal, refletir-se na criação do Estatuto do Idoso, autonomizando-se como grupo vulnerável criando, ao mesmo tempo, uma verdadeira estratégia de proteção.

A palavra idoso encerra em si uma construção social normalmente pejorativa, associada a inimputabilidade ou incapacidade de decidir sobre si próprio. Não nos vamos quedar aqui, mas antes, naquelas pessoas que terminaram a sua vida profissional ativa – terceira idade, e pelos que, mais tarde, se aproximam da infância no que se refere à sua dependência em relação à família ou a outros membros cuidadores – quarta idade.

O artigo 72º da Constituição da República Portuguesa a par do artigo 25º da Carta Social Europeia e de outros tratados internacionais demonstram há muito a necessidade de implementação, pela via legislativa, de medidas protecionistas, porquanto, aquelas já consagradas como o Regime do Maior Acompanhado e o Testamento Vital, não são suficientes para acautelar aqueles que estatisticamente sofrem mais crimes de violência doméstica, abandono, burla, usura, negligência, esquecimento, pobreza, solidão, frio, má nutrição, tudo em razão da idade.

Com efeito, não existe uma rede nacional de proteção, organizada e integrada para os que são mais desprotegidos na terceira ou quarta idade, tal como acontece com os menores.

Existem redes de apoio e respostas sociais através do Instituto da Segurança Social, IP., e municipais, com a introdução de políticas de envelhecimento ativo, ainda que precárias por força dos sucessivos cortes orçamentais, mas no que concerne à identificação dos casos ditos críticos, não existe uma rede que partilhe entre si essa informação e que, consequentemente, disponibilize meios de forma integrada, de ação e intervenção para essas pessoas que se encontram em situação de especial vulnerabilidade consubstanciada na sua condição física, psicológica, económica ou a viverem com alguém que ponha em causa a sua segurança, de forma a que possam estar referenciadas, sinalizadas e apoiadas, diria até, socorridas.

A GNR realizou em outubro de 2019 um estudo – Censos Sénior – sinalizando 41.868 idosos a viverem sozinhos ou isolados em todo o país. Os distritos que mais se destacam nessa realidade são Vila Real, Guarda, Faro, Viseu, Portalegre e Bragança, salientando-se ainda 626 em Lisboa e 1.026 no Porto.

O Estatuto do Idoso deveria autonomizar esse grupo de pessoas, fazendo um planeamento de políticas de envelhecimento com medidas discriminativas de forma positiva, consciencializando a sociedade e centralizando o conjunto de direitos e deveres que vivem de forma avulsa em vários diplomas, nomeadamente a prioridade na tramitação de processos judiciais, atendimento preferencial em órgãos públicos e privados, prestações sociais, gratuitidade nos transportes, reserva de minimus em habitação social, gratuitidade no acesso à cultura, ao mesmo tempo que deveria criminalizar o abandono de pessoa idosa em hospital ou instituição, criar um regime legal específico de alimentos devidos a pais por filhos e a criação de uma comissão nacional de proteção ao idoso em risco, com descentralização por município. E, talvez aí, este país também fosse para velhos.

  • Raquel Caniço
  • Advogada da Caniço Advogados

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