Governação Decisiva entre Risco e Dimensão

  • Helena Chaves Anjos
  • 17:42

Helena Chaves Anjos analisou profundamente a revisão do regime de Solvência II prevendo as grandes mudanças em Portugal . Deixa recomendações sobre a palavra mágica: Proporcionalidade.

A recente revisão da Solvência II, concretizada no Solvency II Delegated Regulation (EU) 2025/7206, de 29 de outubro de 2025, reforça a proporcionalidade como princípio operativo de governação, e não apenas interpretativo de regulação. Nos seus pareceres técnicos recentes, a EIOPA sublinha que a aplicação proporcional deve ser “mais previsível, mensurável e ligada ao risco real”. Em paralelo, a Comissão Europeia destaca a importância de aliviar encargos administrativos desproporcionados sobre entidades de menor escala e complexidade.

A Proporcionalidade da Supervisão na Diversidade

Esta revisão de 2025 vem consolidar mais de uma década de evidência empírica e académica, calibrando o quadro prudencial de acordo com riscos estruturais, heterogeneidade das empresas e os objetivos de política pública europeia. O novo regime de proporcionalidade pode ter um impacto direto na forma como o setor segurador português será supervisionado e na necessidade de reorganização dos modelos internos de governação de risco, desde a estrutura de controlo até à articulação entre funções-chave, apetite ao risco e processos de decisão.

Este novo enquadramento regulatório coincide com um momento particularmente sensível para o setor nacional. A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) tem destacado, nos seus relatórios de estabilidade financeira, a heterogeneidade do setor, de acordo com elevada concentração de mercado, coexistindo com um segmento expressivo de operadores de média e pequena dimensão sob sua supervisão, cuja dinâmica de negócio é estruturalmente distinta. O novo regime simplificado, agora introduzido, ao reconhecer esta dualidade, e ao permitir classificar as entidades entre não complexas e complexas, Small and Non-Complex Undertakings (SNCUs) e non-SNCUs surge, portanto, num contexto onde a proporcionalidade não é um mero imperativo regulatório europeu — mas uma necessidade operacional nacional ― comum a várias jurisdições Europeias.

A Análise de Risco Diferenciada

De facto o elemento mais transformador da revisão é, justamente, o novo regime aplicável às SNCUs. A definição assenta em critérios quantitativos (prémios brutos em Não-vida e provisões técnicas em Vida) e qualitativos (modelo de negócio, simplicidade do risco, governação). A lógica é clara: entidades abaixo de determinados limiares quantitativos podem ser elegíveis ao beneficiar de requisitos simplificados, mantendo o essencial da robustez prudencial. Por seu turno outras entidades, de maior porte, mediante solicitação e cumprimento de critérios qualitativos, poderão ver aprovados o perfil de empresas de seguros não complexas. Por fim manter-se-ão as empresas de seguros e grupos complexos, denominadas de non-SNCUs, os quais estarão sujeitos a novas medidas de análise macroprudencial e planos de gestão de liquidez.

A discussão torna-se crítica quando aplicado este enquadramento ao mercado português. As diferentes calibragens possíveis dos limiares — mais altos ou mais baixos — alteram significativamente o número de seguradoras que poderão vir a ser abrangidas. Se o limiar for mais elevado, mais entidades nacionais qualificam; se for mais baixo, o universo pode restringir-se. Testes preliminares de análise financeira, demonstra que Portugal se situa exatamente na fronteira onde ligeiras variações definem impactos muito distintos, pese embora a expressividade elegível.

Do ponto de vista da governação, colocam-se desafios imediatos:

  • As entidades elegíveis terão de reconfigurar processos de reporte mais simplificado e funções-chave, garantindo, contudo, que a simplificação não se traduz em fragilidade;
  • As entidades não elegíveis terão de reforçar práticas de governação mais robustas, de acordo com a complexidade intrínseca o que irá exigir requisitos tradicionais.

Para a supervisão, o desafio é igualmente imediato, mas simétrico, de forma a assegurar que:

  • A simplificação se aplica às entidades que realmente detêm um negócio, governo e riscos relativamente simples;
  • A supervisão se centre nas áreas onde a complexidade e risco de impactos sistémicos são maios relevantes.

Neste contexto a proporcionalidade não representa um alívio regulamentar, mas sim uma nova arquitetura estruturada da Solvência II, para alinhar o esforço regulatório com o risco real da governação das empresas de seguros ao permitir uma supervisão comparativa, diferenciada e proporcional, com consequências na calibração e estrutura dos modelos e entidades supervisionadas.

Risco estrutural e orientação estratégica

Nesse sentido a proporcionalidade não é um fim em si mesma; é uma resposta ao risco estrutural, decorrente de uma crescente divergência entre entidades de elevada complexidade e operadores de menor escala com níveis degovernação e supervisão diferenciados. Este tema ganha relevância acrescida num contexto de longevidade crescente, onde pressões de rentabilidade da taxas de juro, mercados de capitais voláteis e desafios macroprudenciais de liquidez, se acentuam ao longo de todo o horizonte temporal da atividade seguradora. A necessidade de reforçar a resiliência das seguradoras convive, paradoxalmente, com a necessidade de reduzir complexidade administrativa desnecessária, ajustar mecanismos de avaliação de riscos, otimizar gestão da solvência e libertar capital, para incentivar investimentos de longo prazo.

Aplicado com rigor, o regime proporcional é um instrumento-chave para a supervisão ao:

  • Melhorar o alinhamento entre esforço regulatório e risco real das entidades,
  • Reforçar a competitividade das seguradoras de menor dimensão e risco,
  • Promover uma governação mais funcional, robusta e efetiva, e menos burocrática,
  • Libertar capacidade da supervisão para vigilância macroprudencial e sistémica.

Existe, contudo, um desafio para o mercado nacional: assumir a proporcionalidade como uma oportunidade e não como uma exceção. A simplificação exige, assim, mais maturidade, disciplina e método — assente numa governação mais robusta e numa supervisão mais ágil e estratégica.

Na prática, colocam-se duas decisões estratégicas para as empresas de seguros:

  • Será mais vantajoso posicionar-se como entidade “não complexa” SNCUs, beneficiando da simplificação de governo e reporting?
  • Ou assumir o estatuto de “complexa” non-SNCUs, preservando o modelo de governo e uma maior flexibilidade de investimentos?

A revisão da Solvência II representa, em qualquer dos casos, uma oportunidade de reconfigurar a governação de risco, repensar o modelo de negócio das seguradoras e utilizar o capital regulatório para fins mais produtivos, como investimentos de longo prazo e projetos sustentáveis. O setor nacional pode ter aqui um papel ativo para que a proporcionalidade seja sinónimo de robustez e competitividade, e não de fragilidade adicional diferida a prazo.

Recomendações em Proporcionalidade

Com a aprovação deste novo regime, o setor segurador em Portugal enfrenta um momento decisivo. Três orientações parecem essenciais para a concretização dos resultados esperados:

  1. Clarificar, desde o início, os critérios de elegibilidade e o racional prudencial associado, ao nível nacional evitando interpretações divergentes ou incentivos inadequados.
  2. Investir numa supervisão proporcional baseada no risco diferenciado, capaz de redirecionar recursos para áreas de impacto sistémico, sem descurar a disciplina e rigor prudencial dos operadores de menor dimensão.
  3. Promover a especialização das práticas de governação, independentemente da escala, assegurando que a simplificação não compromete a transparência do reporte, a gestão dos riscos, o controlo e a tomada de decisão.

O setor segurador português tem a oportunidade de se posicionar de forma ativa e estratégica face a esta reforma. A proporcionalidade não é uma redução do exercício de governação ou revisão da prioridade de supervisão — é uma reconfiguração inteligente da arquitetura de supervisão e da governação, perante riscos e desafios estruturais de longo prazo demográficos, macroeconómicos e estruturais que se intensificam. Em conclusão, este não é um momento de crítica à regulação, mas de convocatória para uma supervisão mais eficiente e uma governação mais robusta — à medida do risco, dimensão e desafios do mercado nacional.

  • Helena Chaves Anjos
  • Economista e Mestre em Finanças. Especialista em gestão de risco nos seguros

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