Investimento público: A miséria do despesismo em Portugal?

A verdadeira miséria do despesismo em Portugal não reside tanto no volume de despesa, mas na sua baixa qualidade e previsibilidade.

No passado dia 19 de junho, o Eco deu nota do relatório de Tribunal de Contas Europeu onde Portugal está no topo da lista em termos de dependência dos fundos europeus para financiamento de investimento público. Mais deu nota do certeiro comentário, efetuado em 2022, pelo atual ministro da Economia e da Coesão, Manuel Castro Almeida: “Há uma tendência eterna dos fundos estruturais servirem, sobretudo, para aliviar as contas públicas, para substituir despesa pública. É um erro”.

Olhando para os dados, percebemos que entre 2000 e 2025, Portugal manteve-se entre os países da União Europeia com menor peso do investimento público no PIB, mesmo recebendo milhares de milhões em fundos estruturais e mais de 13 mil milhões do PRR. Portugal tem-se mantido de forma consistente entre 1,0 a 1,4 pontos percentuais abaixo da média da UE na proporção de investimento público ao longo do periodo 2000–2024. Tal como tenho vindo a referir, num país onde a descentralização avança devagar, os municípios têm pouca margem de manobra e os grandes projetos estão claramente dependentes das prioridades definidas em Bruxelas. O resultado? Muito despesismo e pouco investimento verdadeiramente transformador (veja-se o exemplo patetico do prokecto do MetroBus como prova de um investimento em mobilidade inconsequente e demonstrativo da falta de processos transparentes e competentes na definição de estratégias de investimento público).

Assim, e ao longo das últimas duas décadas, o investimento público em Portugal tem sido marcado por uma preocupante contradição: uma crescente dependência de fundos europeus e, ao mesmo tempo, uma redução persistente da sua expressão no Produto Interno Bruto (PIB). Esta realidade levanta uma questão incómoda: estará o país a confundir investimento com despesismo?

Desde o início do século XXI, o investimento público em Portugal desceu de valores próximos de 4,5 % do PIB nos anos 2000 para níveis inferiores a 2,5 % na década de 2010. Esta tendência contrastou com a média da União Europeia (UE), que se manteve relativamente estável em torno dos 3 % do PIB. No período 2010–2015, a crise levou a uma queda acentuada para níveis inferiores a 2,5 %, contra os cerca de 3,2 % no conjunto da UE. Sendo que na última década Portugal manteve um nível de investimento no PIB bastante anémico, decerca de 2,1 %, o que o coloca entre os países com menor nível de investimento público na UE.

Paradoxalmente, este recuo quantitativo tem sido acompanhado por um volume crescente de financiamento europeu. Entre 2014 e 2020, Portugal recebeu mais de 25 mil milhões de euros em fundos estruturais e de coesão. O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), aprovado em 2021 no âmbito do NextGenerationEU, alocou a Portugal mais 13,9 mil milhões de euros em subvenções, aos quais se somam 2,7 mil milhões em empréstimos. Até este ano de 2025, mais de 40 % deste montante já foi executado, sobretudo em áreas como a transição climática, digitalização, habitação e ferrovia.

Apesar do apoio europeu maciço, o país continua a exibir uma taxa de investimento público cronicamente baixa. Esta disparidade levanta dúvidas quanto à capacidade estrutural do Estado em planear, executar e avaliar projetos de investimento — sobretudo quando os fundos externos se esgotarem. De acordo com o FMI (2022), Portugal tem uma eficiência média no uso do investimento público, mas com fragilidades crescentes na manutenção e renovação das suas infraestruturas.

Outro elemento crítico é a centralização das decisões. Embora o processo de descentralização administrativa tenha avançado nos últimos anos, nomeadamente com a criação do Fundo de Financiamento da Descentralização (que transferiu 1,2 mil milhões de euros para os municípios em 2023), os governos locais continuam a ter um peso reduzido no investimento público. Em 2022, as autarquias representavam cerca de 14,8 % da despesa subnacional, abaixo da média europeia (OCDE, 2023). A concentração no Estado central condiciona a diversidade e adequação territorial dos investimentos, limitando a sua eficácia local, como temos vindo a defender.

Quanto à tipologia do investimento, verifica-se uma forte orientação para setores impulsionados pelos regulamentos comunitários, como as infraestruturas verdes, a mobilidade sustentável e a digitalização da administração pública. Embora estas áreas sejam cruciais, há carências evidentes noutras vertentes estruturais — como a justiça, a habitação acessível ou a capacitação produtiva da economia — que continuam claramente a estar subinvestidas.

As implicações desta estratégia são profundas. Um estudo do FMI (2018) demonstrou que o reforço do investimento público em três pontos percentuais do PIB teria impacto positivo no crescimento e na sustentabilidade da dívida pública. No entanto, essa ambição esbarra na incapacidade de mobilizar recursos próprios, na rigidez orçamental e na ausência de consensos políticos sobre prioridades de longo prazo.

Portugal encontra-se, assim, numa encruzilhada: ou continua a investir apenas quando há financiamento europeu, perpetuando uma economia tutelada e vulnerável; ou assume o investimento público como um instrumento estratégico de política económica, financiado de forma estrutural, com critérios de eficiência, transparência e impacto territorial.

A verdadeira miséria do despesismo em Portugal não reside tanto no volume de despesa, mas na sua baixa qualidade e previsibilidade. Enquanto o investimento público for tratado como exceção dependente de fundos externos — em vez de ser parte integrante de uma visão de desenvolvimento —, o país continuará a crescer abaixo do seu potencial e a depender do que Bruxelas tiver para oferecer.

Referências:

· Comissão Europeia (2021), Portugal’s Recovery and Resilience Plan.

· Eurostat (2024), General government expenditure by function.

· European Commission (2023), Public Investment and Capital Stock Dataset.

· FMI (2018), Public Investment Efficiency in Europe.

· FMI (2022), Portugal Country Report.

· GEPAC (2024), Execução do PRR – Relatório Trimestral.

· OCDE (2023), Subnational Governments in the European Union.

  • Colunista convidado. Economista e professor na FEP e na PBS

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