Itália: mais um sobressalto eleitoral?
Renzi, a última estrela cadente da política italiana, tem como único feito relevante a delapidação de 20% do próprio eleitorado com um projecto de revisão constitucional amplamente rejeitado.
A União Europeia sobrevive há anos em equilíbrio eleitoral instável. A profunda crise que a atingiu a partir de finais de 2008 abriu as portas ao avanço do protagonismo dos grandes Estados em detrimento das instituições supranacionais, o que dotou as eleições nacionais de um peso político e mediático inusitado. A mesma crise também pode ser considerada responsável pela explosão de novos partidos que vieram perturbar a previsível escolha de parlamentos e governos.
O bipartidarismo deu, assim, lugar à bipolaridade. O fim da previsibilidade fez com que os europeus passassem a viver, alternadamente, momentos de profunda depressão e momentos de euforia. Se a última grande depressão foi provocada pela saída do Reino Unido da UE, o último pico de euforia foi a eleição de Emmanuel Macron, em Maio do ano passado, acolhida com uma enorme dose de alívio por políticos, jornalistas e analistas. Um alívio que o tempo demonstrou ser excessivo: se, por um lado, passado quase um ano, continuamos sem perceber bem o que é Macron para lá de um projecto de desmantelamento do sistema de partidos francês e da capacidade exercer o poder através da fusão de quadros de centro-direita e de centro-esquerda; por outro, o efeito da sua eleição embriagou a comunicação social e a opinião publicada ao ponto de ocultar os catastróficos resultados das eleições alemãs de Setembro.
A vitória de Macron não compensou o esboroar do poder da CDU/CSU e de Angela Merkel e o tiro quase mortal desferido no SPD, o outrora grande partido do centro-esquerda europeu. As duas principais formações alemãs, à semelhança do que acontece com socialistas e populares em Espanha, somam hoje muito pouco e a margem para a formação de grandes coligações vai sendo cada vez mais estreita. Em paralelo, não é hoje líquido que a militância social-democrata cometa um hara-kiri e que acabe de vez com o partido em nome da “estabilidade europeia”. Numa perspectiva de longo-prazo, uma nova coligação entre democratas-cristãos e sociais-democratas poderá ser bem pior para a Europa por deixar ao neo-nazismo reciclado da Alternativa Alemã a liderança da oposição, com tudo o que isto significa em termos de potencial crescimento em próximas eleições.
As eleições legislativas que se celebrarão no próximo fim-de-semana em Itália, a terceira maior economia da União Europeia pós-Brexit, são mais um episódio desta longa novela. Com a excepção temporária de França, os grandes países europeus contam hoje com governos fracos e receosos das investidas de novos partidos extremistas e populistas. Itália talvez possa ser entendida como um primeiro caso de implosão do sistema de partidos no pós-Guerra Fria. Silvio Berlusconi chegou pela primeira vez ao poder em 1993, através de uma coligação com os neo-fascistas do então Movimento Social Italiano (que acabou por evoluir no sentido de uma formação conservadora e institucionalizada – a Aliança Nacional – que, em vinte anos de fusões e cisões, desapareceu). A capacidade de regeneração de Berlusconi também não deveria ser entendida como algo de novo, tendo em conta que domina a política do seu país desde 1993.
Nas eleições italianas, será sobretudo importante perceber a dimensão do resultado do Movimento 5 Estrelas, apontado por todas as sondagens como o partido mais votado. Caso esta formação, sem posição ideológica definida e que tem conseguido arregimentar boa parte do voto de protesto, se mantenha na periferia dos jogos de poder, o primeiro lugar que se perspectiva não lhe permitirá formar governo e fará com que a política italiana se mantenha na dependência directa dos entendimentos entre o Partido Democrático de Matteo Renzi e Berlusconi e a sua Força Itália. Renzi, a última estrela cadente da política italiana, tem como único feito relevante a delapidação de 20% do próprio eleitorado com um projecto de revisão constitucional amplamente rejeitado em referendo em 2016.
Depois de uma legislatura conturbada, em linha com os mais de setenta anos de parlamentarismo italiano, nos próximos cinco anos não se prevê mais estabilidade. Nada a que os italianos não estejam habituados e a que os outros europeus não se vão habituando.
Nota: O autor escreve segundo a ortografia anterior ao acordo de 1990.
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