Editorial

Medina, ministro do Orçamento (e pouco da economia)

A proposta de Orçamento traz uma ilação política relevante. Medina, o mais político dos governantes dos governos de Costa, revela-se sobretudo um ministro do Orçamento. Passa Centeno pela direita.

Fernando Medina já tem o seu slogan para a proposta de orçamento para 2024: É o “orçamento para as classes médias”, traduzido por uma redução de IRS que incide particularmente até ao 5º escalão que custará cerca de 1200 milhões de euros, acima do que estava previsto ainda há meia dúzia de meses no Programa de Estabilidade, mas o possível para segurar a economia e não pôr em causa a redução do peso da dívida pública na riqueza criada (o PIB).

O ‘slogan’ cai bem e, justiça seja feita, já era tempo de devolver alguma coisa à classe média que anda a suportar um Estado que funciona cada vez pior em áreas críticas. As propostas do PSD, que apontavam para uma redução de IRS da ordem dos 1500 milhões de euros, não eram, afinal, uma irresponsabilidade, reconhece agora Medina com as contas apresentadas. Mas os caminhos estavam muito limitados, como se vê pela contas do Orçamento. A dinâmica de despesa de algumas leis — as chamadas políticas invariantes — como a das pensões e da Função Pública é imparável e isso limita opções. A despesa pública primária, isto é, sem juros, vai ser superior a 105 mil milhões de euros. Medina baixa o IRS, mas sobe os impostos indiretos e a carga fiscal voltará a bater um recorde em 2024, porque alguém tem de pagar a conta. O orçamento são escolhas, diz Medina, e diz bem, mas depois é preciso não fazer de conta que as escolhas não são feitas.

A proposta de orçamento, diga-se, é dos mais desinteressantes dos últimos anos — e isso até nem é mau per si porque o orçamento não deve ser o espaço para as reformas, mas para gestão da despesa e receita do Estado de acordo com as decisões de políticas públicas –, e é mesmo marcado por cinco ideias fortes:

  1. A redução do IRS;
  2. A promessa de que em 2024 é que o investimento vai mesmo acelerar;
  3. O ‘esquecimento’ de medidas de poupança;
  4. As empresas voltam a ficar, mais uma vez, para trás e, finalmente…
  5. Uma dívida pública abaixo de 100%

Um crescimento medíocre, um saldo orçamental excedentário e uma dívida pública que poderá cair, finalmente, para um valor abaixo dos 100% do PIB (e este objetivo, que nos põe com uma dívida abaixo do rácio dos países em risco e até da França e da Bélgica, tem um valor que não está a ser devidamente valorizado, desde logo para as próximas gerações).

Percebe-se que a opção pela redução de IRS tem o objetivo de garantir uma rede de suporte básico ao andamento da economia, para compensar o que é o abrandamento económico severo dos países do euro e particularmente dos nossos principais parceiros comerciais. A economia vai crescer 1,5% em 2024, um abrandamento suave, apesar de tudo, e Medina conta com o consumo das famílias e com o investimento para cumprir aquele objetivo. As prioridades económicas do orçamento acabam aqui, ressaltam as prioridades financeiras.

Medina acaba com as cativações e dá mais poder aos ministros, mas mantém uma mão sempre no travão de mão. Passa a responsabilidade da gestão política para ministros como o da Saúde, com mais um aumento do orçamento setorial. Medina dá menos do que parece, dá com uma mão em IRS e penaliza, com a outra mão, o consumo, o que também é uma opção política que poderia ser tomada por um Governo à direita.

Mas este retrato da proposta de Orçamento traz uma ilação política relevante. Medina, o mais político dos governantes das Finanças dos três governos de Costa, revela-se sobretudo um ministro do Orçamento. Passa Centeno pela direita.

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