Nada de moderações!

Ser moderado é ser radical face ao radicalismo. Esta é a coragem e a inteligência que o país precisa. Será esta a coragem que o Governo respira?

O novo Governo tem qualquer coisa. Ao novo Governo falta qualquer coisa. O Governo tem a vantagem de ser novo e de nada se saber sobre a dinâmica na acção política. Para o bem e para o mal, o tempo resolve a situação. E mais depressa do que se pensa.

Ao Governo falta o génio de uma visão política que inspire o país para uma dimensão política acima da gestão da conjuntura. É verdade que o Programa pode ajudar, mas os sinais, e como são importantes os sinais, não avolumam as esperanças mais militantes. É verdade que há um equilíbrio entre gerações. É evidente que a partilha das pastas entre géneros vai ao encontro do espírito do tempo. A aparente normalidade do Governo parece não esconder um contexto político em que a hostilidade é a norma e a civilidade é a excepção. Mas acima da orgânica e do elenco a intenção do Governo resume-me a um “núcleo político” em que impera a lógica da maioria absoluta sobre a realidade de uma minoria absoluta.

Este contraste não é politicamente inocente porque o Governo pretende explorar a sua debilidade parlamentar através de uma estratégia de confronto em que a palavra “moderação” é um discurso fora de horas. Portugal vai ter um Governo entre o silêncio e o cinismo, um Governo entre o modesto moderado e o real radical, um Governo entre a tutela da confiança e o escrutínio da fraqueza. Se o Governo optar por um slogan político, por uma “marca política”, fica a sugestão – “Quem tem um cão não precisa de aprender a ladrar”.

Aliás, o discurso de tomada de posse do Primeiro-Ministro é o triunfo do optimismo sobre todas as vozes pessimistas. Mas o optimismo voluntarista de uma posição de força ancorado ao centro que se diz moderado. Em certo sentido, o discurso do Primeiro-Ministro parece uma performance no Air Guitar World Championship, pois todo o discurso são gestos e ar quente na atmosfera fria de uma tomada de posse sem cor, sem alma, sem chama. As palavras da posse são um playback em que impera o radicalismo do confronto, um certo revivalismo do século passado, mas nada, absolutamente nada sobre a estratégia para o país que espera e continua a esperar.

Depois de tantos anos afastado do poder, é verdade que o Primeiro-Ministro não é um uber-modernizador, mas convém referir que um Governo para ter sucesso precisa de alguns elementos genéricos e gerais que estão ausentes na apresentação inicial e primeira – ser realista, sabendo que nada serve de garantia ao sucesso; quando se fala aos portugueses, os portugueses aprendem sobre os políticos; fundamental também afirmar uma ordem de valores políticos novos, distintos, exclusivos; garantir a “descontaminação” da marca política para não se confundir com experiências do passado; o perigo não é ter muitas políticas, o perigo é resumir tudo à táctica política; a mudança não deve ser apenas falada, mas demonstrada numa perpectiva estratégica. O Primeiro-Ministro pode receber muitos conselhos e sugestões, mas ninguém lhe dá a inteligência e o conhecimento para transformar os conselhos bem-intencionados em políticas eficazes para um Portugal à espera do futuro que já não vem.

O país está a entrar numa “zona de interesse” em que a estabilidade democrática se aproxima de uma solução do “abismo”. Há um cansaço na atmosfera política que é mascarado por um radicalismo viral que infecta todas as forças políticas e todas as intenções políticas. A política portuguesa parece o jogo da cadeira em torno do pedestal da guilhotina. A governabilidade é para o Governo uma responsabilidade do PS. A governabilidade é para o PS da exclusiva responsabilidade do Governo. A governabilidade para o Chega é um obstáculo que evita o caos da ingovernabilidade e o caminho para a Nova República. A moderação está fora de moda, a arte do equilíbrio político é uma virtude de outro tempo na nova idade dos extremos. O radicalismo na concretização das ideias políticas absolutas não é nunca um vício. E convém sublinhar que a moderação na procura da justiça política absoluta não é uma virtude mas uma insuportável fraqueza. Assim está Portugal em plena zona de rendição moral, material, social, aos devaneios imprevistos de uma concepção em que a política é apenas uma competição entre políticos. Perdida a “ética da moderação”, a política é um jogo que se joga num tabuleiro chamado Portugal.

A política precisa de saber porque é radical. É preciso dizer este radicalismo que tantas vezes se cala, mas que existe. O radicalismo em Portugal é de uma inutilidade estéril porque mata qualquer ideia. E é um radicalismo secular que nos visita com regularidade sempre com novas e infinitas configurações. O radicalismo é uma sombra negra luminosa que nos dispensa de pensar o futuro, que nos prende num atraso estrutural, que nos devolve a vulgaridade e a indignidade. A política não pode ser o recreio dos doidos ou o desfile dos inimputáveis. Ser moderado é ser radical face ao radicalismo. Esta é a coragem e a inteligência que o país precisa. Será esta a coragem que o Governo respira?

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