Notas do pântano

A moderação está em baixa nos mercados políticos porque o apelo ao centro, quer à esquerda, quer à direita, é uma espécie de paternalismo centrista defendido por políticos do passado.

O primeiro-ministro é o “homem do leme” de um Governo que desliza no pântano. A política portuguesa adora os pântanos, seja pelas águas paradas, seja pelo surgimento de novas espécies parasitas. Quando tudo está parado não é preciso pensar nem tomar decisões políticas. Confundem o pântano com a sociedade bem ordenada e agem politicamente como se Portugal fosse um país próspero e em expansão. A Standard & Poor’s sobe o rating da República para A+, mas com a perspectiva a passar de positiva para estável. Tudo parece correr pelo melhor, até a classificação de estável vai ao encontro do eterno objectivo político deste Governo e de qualquer Governo – O oásis definitivo da estabilidade. Mas a verdadeira estabilidade tem um dinamismo que exige a lucidez da verdade e a competência de pensar e de fazer diferente.

Pode ser a estabilidade dos fogos, das festas políticas anacrónicas, das discussões intermináveis sobre os assuntos de sempre para, como sempre, acabarem na responsabilização dos Governos anteriores e no elogio próprio às medidas do Governo corrente. Os Governos em Portugal não são responsáveis por nada do que se passa no país. Deste modo se percebe a inflacção da demagogia e a violência vocal dos partidos radicais apostados apenas na erosão das instituições. É a demissão e a omissão do Governo que abre espaço para estes fenómenos de exploração oportunista dos problemas seculares que infestam o pântano político português. O actual Governo na sua passividade agressiva revela-se um Governo egocêntrico, sem curriculum, mas com uma superioridade moral intoxicante. Mas em matéria de toxicidade, o Executivo não está sozinho no pequeno pântano nacional.

O Presidente da República descobre numa viagem solitária ao seu futuro político irrelevante que o Presidente da América é um “activo russo”. A linguagem faz lembrar as histórias de espiões em plena guerra fria. A ideia da América infiltrada pela Rússia é argumento da grande intriga internacional à qual Portugal não pertence pela grandeza da sua irrelevância. Mas é bonito, permite longas discussões sobre a herança do Presidente Marcelo e um apontamento colorido em qualquer crónica mais cínica.

A Coordenadora do Bloco de Esquerda resolve viajar numa “flotilha humanitária” em direcção a Gaza, provavelmente para alertar a comunidade internacional que em Portugal existem soluções para os conflitos políticos mais trágicos e sangrentos. Os problemas dos portugueses estão abaixo dos talentos da Coordenadora, que agora descobre uma “vocação solidária” e diplomática que se projecta no grande concerto das nações. Não há limites para o deslumbramento e para a negação da realidade – a realidade de um Bloco em dissolução e sem função na nova configuração política portuguesa. A esquerda dos escombros viaja pelo Mediterrâneo em direcção aos escombros. A utilização da tragédia da Palestina para fins políticos imediatos é uma versão da hipocrisia política ao serviço da sobrevivência política. O turismo humanitário é a forma pós-moderna e virtuosa do neocolonialismo na exploração do sofrimento na devastação. Em Portugal, não é o amor ao povo que move o Bloco, mas o ódio ao privilégio e à direita. Na expedição humanitária, não é a religião da Humanidade que move o Bloco, mas o ódio ao privilégio e à direita de Israel.

O Chega é o grande predador do pântano político nacional. Os céus de Portugal mais parecem os céus da Ucrânia percorridos por drones, helicópteros, aviões, numa realidade que o Primeiro-Ministro insensato descreve como “guerra” frente a um “inimigo maior”. O Chega aparece neste cenário como o novo herói da nação, o líder da resistência em cenas patéticas no TikTok político e onde exibe todo um patriotismo falso e demagógico. O Chega não precisa de queimar efígies, porque elas ardem espontaneamente, mas é irritante a sua presença parasita em tantas entrevistas repetidas como “entrevistas exclusivas”. O Chega nada tem a explicar, nada tem a convencer, nada tem a oferecer para além da prisão perpétua e da castração química. Trágico é que a República esteja nas mãos de um partido cuja única capacidade é a de vender imagens sinistras como ideias para o pequeno pântano nacional. O sonho do Chega é ser o pesadelo do país.

Vai começar a temporada do Orçamento. Resta o Governo e os muitos apelos à moderação, à responsabilidade, ao bom senso. A moderação está em baixa nos mercados políticos porque o apelo ao centro, quer à esquerda, quer à direita, é uma espécie de paternalismo centrista defendido por políticos do passado. As sereias da direita radical circulam pelo pântano político como criaturas sobrenaturais. O Orçamento será a normalização ao centro da República ou a definitiva deriva para a direita radical? As negociações do Orçamento vão ser um autêntico manicómio de caricaturas.

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