O acesso à habitação com todos e para todos
É crítico que o Estado trabalhe com os investidores privados na criação de incentivos para que a iniciativa privada possa também ela fazer parte da solução de criação de habitação para as famílias.
Num contexto de inflação, aumento das taxas de juro, fraca oferta do imobiliário residencial, urge fazer um balanço das políticas habitacionais e perspetivar que caminho deverá ser gizado.
O direito à habitação condigna, adequada e a custos acessíveis, é um direito constitucional de natureza social e de vocação universal, que tem no Estado o seu garante. Nesse sentido foi criada em 2019 a primeira Lei de Bases da Habitação, que obriga o Estado a um dever de ação na prossecução das melhores políticas que permitam um aumento quantitativo e qualitativo da oferta de habitação para aquisição e arrendamento em Portugal.
Volvidos mais de três anos, continua a não ser concretizada uma política de habitação eficaz.
Em Portugal, o mercado de proprietários representa aproximadamente 70% da população. Contudo, hoje, face ao atual contexto macroeconómico, verificamos que os Portugueses, cada vez mais, recorrem ao mercado do arrendamento.
Não obstante a Lei de Bases da Habitação determinar que, entre outros, incumbe ao Estado a criação de um sistema de acesso à habitação com renda compatível com o rendimento familiar, e a implementação de uma política fiscal em matéria de habitação que privilegie a dinamização do mercado do arrendamento; a verdade é que o mercado de arrendamento em Portugal, constituído na sua grande maioria por pequenos e médios proprietários é praticamente inexistente não dando resposta às necessidades.
É difícil compreender, face ao atual contexto do mercado do arrendamento, que o Estado não consiga implementar as medidas necessárias ao aumento das habitações para arrendamento. Na recente apresentação do Programa Nacional de Habitação, ficou claro que, não obstante a função social do Estado, a criação de oferta tem, necessariamente, que passar também pela iniciativa privada. Programas como o “Porta 65” e “Habitação a Custos Controlados” são um primeiro passo, mas em termos de resposta revelam-se ainda insuficientes, lentos e com targets limitados.
Ao longo dos últimos anos, o built to rent (BTR), que se traduz num investimento em construção de empreendimentos especificamente destinados à exploração em regime de arrendamento, é uma das maiores tendências internacionais do mercado imobiliário, com particular incidência em cidades europeias como Londres e Madrid, representando uma grande aposta dos promotores imobiliários que, alinhados com plataformas de investimento, asseguram uma criação regular de habitação para arrendamento.
Mas o que estará por trás da “timidez” dos promotores imobiliários na aposta em Portugal para o BTR?
Focaríamos, essencialmente, três pontos. Em primeiro lugar, a morosidade dos licenciamentos: a morosidade dos processos de licenciamento nas autarquias locais é um dos principais entraves ao aumento da oferta de habitação em Portugal. Urge que se aposte numa maior agilização, simplificação e desburocratização dos processos de licenciamento para construção.
Em segundo lugar, a elevada carga fiscal: tanto no momento da aquisição, (Imposto sobre Transmissões Onerosas de Imóveis – IMT), da detenção (Imposto Municipal Sobre Imóveis – IMI e Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis – AIMI), como também na construção (Imposto sobre Valor Acrescentado – IVA). O IVA aplicável à construção e os obstáculos à sua dedução são um dos principais entraves à aposta dos investidores no BTR em Portugal. É essencial criar um contexto fiscal favorável à instalação do BTR em Portugal, designadamente através da isenção ou aplicação de taxas bonificadas de IMT, a extinção do AIMI, redução ou isenção do IVA na construção (principalmente numa altura em que o aumento dos custos associados à construção torna impeditiva a concretização de alguns projetos imobiliários) e a possibilidade de deduzir o IVA suportado na construção.
E em terceiro lugar, a instabilidade legislativa: a lei do arrendamento tem sido exposta uma enorme instabilidade com inúmeras alterações desde a sua publicação, retirando previsibilidade legislativa aos investidores o que afeta, naturalmente, a sua confiança e a criação de um plano de negócios a longo prazo.
Face ao que antecede, é crítico que o Estado trabalhe com os investidores privados na criação de incentivos para que a iniciativa privada possa também ela fazer parte da solução de criação de habitação para as famílias em Portugal.
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