
O árbitro invisível das fusões e aquisições
Após 15 operações de M&A, 13 como comprador e 2 como vendedor, José Rodrigues, CEO da Acrisure em Portugal, explica porque os primeiros 24 meses de casamento são vitais para o sucesso de uma operação.
Para os menos familiarizados com a sigla anglo-saxónica, M&A é a abreviatura de Mergers and Acquisitions — em bom português, fusões e aquisições.
Quando um negócio é anunciado, a atenção vai para o preço, para as sinergias prometidas e para a fotografia do aperto de mão. O que raramente aparece na manchete é, porém, aquilo que verdadeiramente decide o futuro da operação: a cultura.
Falo por experiência própria: já estive em 15 operações de M&A, 13 como comprador e duas como vendedor. Aprendi que o contrato assinado é apenas o início, o verdadeiro teste vem depois, na integração.
E aqui, no nosso retângulo à beira-mar plantado, esse desafio é ainda mais sensível. Grande parte das operações de M&A envolve PME familiares, onde está em jogo o legado do fundador e a lealdade de equipas que, muitas vezes, acompanham a empresa há décadas. Nesses casos, ignorar a cultura não só compromete a integração, como pode destruir rapidamente o valor que parecia assegurado na folha de Excel.
Porque é que os primeiros 24 meses são decisivos?
Porque é nesse período que a integração acontece… ou falha. E, quando falha, raramente é por causa de métricas financeiras.
Um estudo da PwC (2023 M&A Integration Survey) mostra que as empresas de topo começam a tratar do fator humano logo no início:
- 43% já iniciam programas de gestão da mudança antes da due diligence (em 2019 eram apenas 23%);
- Mais de 60% incluem a avaliação cultural na due diligence — e isso influencia diretamente a decisão de avançar ou não.
A McKinsey, num artigo publicado em fevereiro de 2024 (The importance of cultural integration in M&A — The path to success), confirma que alinhar culturas desde o primeiro dia pode acelerar a integração e multiplicar o retorno esperado. Negligenciar esse ponto, pelo contrário, mina até a melhor das oportunidades.
Cultura: o fator silencioso que constrói ou destrói valor
Os números são claros:
- 70% das aquisições não geram o valor esperado — e a principal razão é o desalinhamento cultural;
- Segundo um estudo de 2010 da McKinsey (Perspectives on merger integration), 50% dos executivos identificavam o “ajuste cultural” como fator crítico de sucesso; enquanto que 25% culpavam a sua ausência por fracassos passados;
- Já em 2024, a EY (How culture can unlock M&A performance) revelou também que 47% dos colaboradores abandonam a empresa no primeiro ano pós-M&A — percentagem que sobe para 75% ao fim de três anos quando a cultura é ignorada.
Em resumo: a cultura não é um detalhe. É a base que sustenta, ou implode o valor da transação.
Então, como colocar a cultura no centro da integração?
Não bastam boas intenções, é preciso método:
- Avalie a cultura antes de comprar: Mapeie compatibilidades e diferenças logo na due diligence;
- Defina uma visão cultural clara: Combine o melhor de cada empresa e comunique de forma cristalina;
- Exerça uma liderança visível e comunicação frequente: Silêncio gera desconfiança; liderança presente gera alinhamento;
- Implemente programas de integração cultural: Mentoria, formação e iniciativas conjuntas criam pontes reais;
- Monitorize e aja rápido: Meça o clima e ajuste o rumo antes que os problemas se tornem irreversíveis.
Ainda hoje, com mais de vinte anos passados, a fusão AOL–Time Warner continua a ser a prova viva de uma lição cara: avaliada em 350 mil milhões de dólares, colapsou em menos de dois anos. Culturas incompatíveis, integração falhada e um prejuízo recorde de 99 mil milhões de dólares.
Em 2024, Rick Buoncore, Executive Chairman da MAI Capital, resumiu de forma pragmática a sua forma de triagem de empresas a adquirir:
“Podemos encontrar a melhor oportunidade financeira, mas se a cultura não encaixar, não avançamos.”
É uma filosofia simples, mas que salva milhões e evita desastres.
Em suma, nos primeiros 24 meses, a cultura dita o ritmo e define o resultado. Tratar a integração cultural como prioridade estratégica não é um luxo, é um imperativo para proteger o investimento e criar crescimento sustentável.
No jogo do M&A, a cultura é o árbitro invisível. E, como em qualquer jogo, ignorar o árbitro é a forma mais rápida de transformar vitória em derrota.
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