O Código dos Contratos Públicos e o “estado da arte” em 2024: as razões ocultas que justificam a ausência de verdadeira concorrência

  • António Jaime Martins e Luís M. Alves
  • 5 Julho 2024

Enquanto não houver seriedade e rigor por parte das entidades contratantes, a concorrência não existirá e os procedimentos servirão muitas vezes para OE se colocarem em situação de insolvência.

Pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, foi aprovado o Código dos Contratos Públicos (adiante “CCP”), o qual contém o regime de formação dos contratos públicos e o regime substantivo dos contratos administrativos.

Como demonstram as constantes modificações introduzidas no CCP, no decorrer dos anos, o legislador assume o seu regime formativo e executivo, como um “work in progress”. Na verdade, observamos uma média de uma alteração por cada ano de vigência do CCP (16 diplomas modificativos), com especial incidência no regime da “contratação pública”. O Relatório Anual 2022 (“Contratação Pública em Portugal”) do IMPIC, I.P. (adiante “Relatório”) apresenta dados sobre o “estado da arte” (em especial, sobre a contratação de obras, bens e serviços).

O número de contratos precedido de um procedimento fechado (ajustes diretos e consultas prévias) continua a crescer, de modo inexorável. A título meramente exemplificativo, denotamos que o número de procedimentos fechados cresceu de 96 316 em 2018, para 134 099 em 2022 (V. Gráfico 18 do Relatório).

A diferença entre o número de procedimentos fechados nos contratos de obras públicas por um lado, e nos contratos de bens móveis e serviços, por outro, parece-nos permitir concluir que é o maior valor do contrato admissível (149.999,99€ nas obras e 74.999,99€ nos bens/serviços, sem IVA), que explica a tendência para a maior utilização da consulta prévia nos primeiros, e o ajuste direto nos segundos. O número de contratos precedidos de consultas prévias é de 19,06€ nos bens/serviços, de 27,11€ nas obras públicas (V. Gráfico 20 do Relatório).

A concorrência efetiva, tradicionalmente, tem sido o reporte fundamental apontado nos procedimentos abertos, porquanto a publicidade da sua abertura permite a maior participação dos operadores económicos (“OE”), e a sua escolha ex post; ao contrário dos procedimentos fechados cujos participantes estão pré-determinados ex ante abertura.

Os números desmentem esta afirmação em Portugal. O citado Relatório apresenta, claramente, o facto de, na maioria dos procedimentos abertos, apenas participar um OE (concorrente único). A saber, nos bens/serviços temos 61,80€ de proposta única, e 57,14% nas obras públicas. Elucidativo (V. Gráfico 1 do Relatório).

Amiúde, o cenário concorrencial nos procedimentos abertos aproxima-se, em termos de participação dos OE, dos procedimentos fechados, pois, dos dados disponibilizados conclui-se que em “63% dos procedimentos apenas foi apresentada uma proposta” (V. Gráfico 57 do Relatório).

Como sabemos, o preço base é o montante máximo que a entidade adjudicante admite pagar, sob cominação de exclusão da proposta, pela execução de todas as prestações que constituem o objeto do contrato.

Em Portugal os números revelam que os OE, para “vencerem” o procedimento, comprimem os preços da proposta de modo a questionar se o preço contratual revela os verdadeiros custos com a execução do contrato. Com efeito, constatamos que em cerca de 20% dos contratos de bens e serviços (amostra) “os valores contratuais finais aproximaram-se ou foram mesmo inferiores ao preço anormalmente baixo calculado em função do preço base” (V. Gráfico 63 do Relatório).

Enquanto não houver seriedade e rigor por parte das entidades contratantes na fixação dos preços base, e a melhoria legislativa na imposição do “cinto apertado”, mas irracional, da despesa, a concorrência não existirá e os procedimentos servirão muitas vezes para OE se colocarem em situação de insolvência.

  • António Jaime Martins
  • Sócio fundador da ATML – Sociedade de Advogados
  • Luís M. Alves
  • Consultor e membro do Conselho Executivo da Revista de Direito Administrativo

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