O crescimento, Blanchard e a Troika
Quando a economia cresce, nem que seja apenas nominal, o efeito orçamental é muito forte, permitindo uma consolidação que acaba sempre por ser “ilusória”. Basta ver o período 1996-2001.
A divulgação de um crescimento de 2,8% permitiu alguma euforia, mas importa ter presente que este crescimento assenta muito no efeito do aumento do turismo e de uma melhoria das principais economias Europeias.
Discutir a que Governo deve ser atribuído o mérito deste crescimento parece-me algo deslocado da verdadeira discussão sobre as condições de competitividade da economia. Mas é inegável que passar de 29% do PIB para mais de 40% do PIB em exportações, entre 2010 e 2015, bem como reduzir o défice de 10% em 2010 para 3% em 2015, e recuperar o acesso aos mercados financeiros, foram todos fatores críticos para que agora possamos voltar a ter algum crescimento económico.
Mas se tivermos taxas de crescimento real anual acima de 2%, e voltarmos a ter o deflator do produto também acima dos 2%, então com um crescimento nominal acima dos 4% a consolidação orçamental baseada no défice nominal torna-se bastante mais fácil. Conforme referi aquando da apresentação do Programa de Estabilidade, em abril, o Governo prevê uma redução do défice nominal de 2,5% em 2016 (sem medidas pontuais) para um valor próximo de zero em 2020, praticamente com base no efeito que um crescimento nominal acima de 4% terá nas receitas fiscais.
Também o alargamento do denominador permite aumentar as despesas, sobretudo com prestações sociais e pessoal, mas mesmo assim reduzir o rácio de despesa em % PIB.
Quando a economia cresce, nem que seja apenas nominal, o efeito orçamental é muito forte, permitindo uma consolidação que acaba sempre por ser “ilusória”. Basta ver o período 1996-2001. Daí a importância de consolidar por via do saldo estrutural, coisa esquecida desde 2015, e que provavelmente continuará a ser bastante menorizada.
Também na sexta-feira passada o ex-economista chefe do FMI, Blanchard, veio dizer duas coisas: uma errada (que devemos deixar subir o défice e a dívida se for por motivos importantes), mas aí o Pedro Sousa Carvalho já desmontou os perigos e irrealismo dessa ideia.
Mas Blanchard teve razão quando afirmou que o programa da Troika tinha sido muito duro, mas que isso resultava de o valor do financiamento (78 mil milhões de euros) ter sido curto para as necessidades que Portugal tinha. Pena que Blanchard apenas tenha vindo dizer isto agora. Na altura teria sido bastante mais útil. Mas não deixa de ter toda a razão.
O programa foi muito duro porque o acordo inicial partia de três aspetos errados: o primeiro foi o cenário macro; o segundo o cenário orçamental; o terceiro, as necessidades de financiamento.
Relativamente ao cenário macro, ele acabou por se revelar extremamente otimista, conforme é visível no quadro abaixo. Mas não só o crescimento real foi muito inferior (a recessão 2011-2013 foi muito mais profunda), como o deflator criou problemas adicionais. Entre 2011 e 2015 o deflator esteve sempre abaixo de 1%, e em 2012 e 2015 foi inclusive negativo. Como vimos atrás, a combinação de crescimento real negativo e um deflator próximo de zero são explosivas para a consolidação orçamental.
Quando o programa foi assinado, em maio de 2011, pelo então Governo de José Sócrates, o acordo inicial previa para 2011 um esforço orçamental de 0,3% PIB, para chegar a um défice de 5,9%. Conforme escrevi nessa altura, então no Diário Económico, o défice de 2011 estava acima dos 7% (os dados do primeiro semestre de 2011, divulgados pelo INE em setembro mostraram um défice em torno dos 8,5%; o valor de 2011, sem o BPN e a Madeira, mas também sem os fundos de pensões da banca e a sobretaxa foi quase de 8%). Também perímetro de consolidação das contas não era o correto, tendo sido revisto em 2012 e também em 2014.
Ora, o acordo, por mais medidas e reformas que contenha, tinha um simples objetivo que determinava o nosso sucesso ou insucesso: não precisar de mais dinheiro da Troika, para além dos 78 mil milhões de euros, até maio de 2014. Caso tivesse sido necessário mais dinheiro, isso teria implicado em 2014 um segundo programa, e condições muito mais difíceis, tal como ocorreu com a Grécia.
O que seria preferível: fazer apenas o que estava no acordo, sabendo que tal não era suficiente para os objetivos? E depois, o que faríamos perante um défice maior que o acordado? Trata-se de saber se, na altura, queríamos ou não cumprir os objetivos acordados.
Por outro lado, o acordo não considerava totalmente as necessidades de financiamento do setor empresarial público, além de apresentar desvios nos custos com os juros da dívida (que foram superiores em 0,6 p.p. do PIB em 2011 e em 0,2 p.p. do PIB em 2012, face ao projetado no acordo).
Isto implicou que a execução do acordo teve que ajustar-se a um cenário macro muito mais recessivo do que o previsto, o que dificultou muito a consolidação orçamental. Em cima disso, teve de partir de um défice em torno dos 8% em 2011 e não em torno dos 6.2% como previa o MoU. Logo, um “desvio” de mais de 1,5 p.p. do PIB (cerca de 3 mil milhões de euros), que teve de ser corrigido num ambiente de recessão e de deflator negativo.
O que foi acordado em maio de 2011 foi insuficiente. Porque foi mal negociado. Terá sido por ignorância, má-fé ou afastamento da realidade, ou uma combinação das três? Ou apenas negociado a pensar nas eleições que ocorriam passado um mês? Nada nos deve surpreender tendo em conta quem então liderava os destinos do governo Português.
O erro talvez tenha sido não ter afirmado isto logo em 2011. Mas aí havia a necessidade de não agravar a perceção dos mercados sobre Portugal. De outra forma, talvez o regresso aos mercados, ao invés de ter ocorrido no final de 2012 (quase um ano antes do previsto), teria sido muito mais tarde.
As coisas correram bem, apesar de todos os contratempos (um mau MoU, negociado para Portugal falhar, com um erro de projeção orçamental de 3 mil milhões de euros no défice; Uma oposição que rapidamente se afastou daquilo que tinha assinado, para apenas, de forma demagógica, bloquear as medidas necessárias; Decisões do Tribunal Constitucional no mínimo contestáveis; Um ambiente externo marcado por incerteza e fraco crescimento económico; Uma economia em recessão e em deflação; um país pouco disposto a mudar e sem consciência da gravidade da situação em 2011, entre muitos outros fatores, e recorde-se que o QE do BCE só veio em 2015).
As coisas, apesar disto tudo, correram bem. Imaginem se estes fatores tivessem ajudado o país. Como não estaríamos bem melhor agora?
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