O futuro da agricultura e da alimentação
Os sistemas agroalimentares são decisivos para o futuro da biosfera e para o bem-estar das pessoas e dos animais.
A primeira grande revolução da Humanidade foi a Revolução Agrícola. Desde então, o progresso científico, económico, social e cultural tem sido surpreendente. Sem a Revolução Agrícola, não teriam sido possíveis os extraordinários aumentos da população e da longevidade desde então, nem o bem-estar material que alcançámos, nem sequer a criação dos Estados. Porém, a Revolução Agrícola também marca o início de um período de impactes severos da atividade humana no planeta, nomeadamente, nos equilíbrios da biosfera e dos seus ecossistemas.
Dando um salto no tempo e no espaço, após a II Guerra Mundial, a prioridade da Europa era a reconstrução e garantir mínimos de bem-estar social. Neste contexto, alimentar os seus 550 milhões de habitantes era uma das maiores prioridades. Foi assim que surgiu, em 1962, a Política Agrícola Comum (PAC), que atualmente consome um terço do orçamento da União Europeia.
Desde os seus primórdios, a PAC tem passado por diversas fases, mas se há algo que se tem mantido constante, desde a sua génese, é a preocupação em assegurar a segurança alimentar, o que passa por procurar assegurar níveis elevados de produtividade e a oferta dos alimentos a preços acessíveis. Assim, não só os subsídios têm privilegiado as grandes explorações agrícolas, como os seus impactes sociais e ambientais têm sido algo desvalorizados. Porém, e ao fim de mais de mais de 50 anos de PAC, a UE adotou o Pacto Ecológico Europeu como referencial para toda a sua política, até 2030, o que teve um impacto estrutural na própria PAC. Neste (novo) contexto, os impactes ambientais, decorrentes do recurso excessivo a químicos, energia e água, bem como os impactes sociais dos sistemas agroalimentares, passam a ter outra relevância.
A partir de agora, a PAC terá de se articular com referenciais importantes, tais como a Estratégia Europeia para a Preservação da Biodiversidade e a Estratégia Europeia do Prado ao Prato, para além de que deverá ser capaz de integrar as especificidades de cada contexto local. O acordo de princípio para a PAC 2023-2027, alcançado ainda durante a recente Presidência Portuguesa do Conselho da EU, vem mesmo reconhecer que “a agricultura tem um papel determinante para uma Europa mais verde”.
Há uns dias, a Fundação Ellen MacArthur publicou um breve estudo [1] sobre o futuro dos sistemas alimentares. O relatório recorda-nos que, atualmente, apenas quatro culturas asseguram 60% das calorias a nível mundial – trigo, arroz, milho e batata –, deixando pouco espaço para muitos ingredientes que raramente são utilizados e que teriam menos impacto no planeta. Por outro lado, alerta também para o facto de que, na UE, 40% dos alimentos consumidos são vendidos por apenas 10 empresas. Um sistema alimentar regenerativo dependerá de sermos capazes de adaptar os sistemas alimentares aos contextos locais e de uma maior diversificação de atores e da nossa base alimentar.
Não será fácil compatibilizar os objetivos da produtividade e preços acessíveis, com alimentos diversos, saudáveis e saborosos, e sistemas de produção com impacte positivo nos ecossistemas e nas comunidades locais. Estamos todos cientes do drama social e ambiental de Odemira, e todos sabemos que não se trata de um caso isolado em Portugal e na Europa. Em plena transição ecológico-digital, para que os sistemas agroalimentares europeus sejam capazes de dar um salto qualitativo e passar a ser uma referência mundial, teremos de ser capazes de articular com sucesso todos os seus atores: da economia social (cooperativas e não só), às grandes empresas; das startups, à administração pública central e local; das empresas familiares, aos centros de investigação; das comunidades locais, aos jovens agricultores.
Os sistemas agroalimentares são decisivos para o futuro da biosfera e para o bem-estar das pessoas e dos animais. No futuro, a PAC terá de ser um exemplo mundial de bioeconomia circular altamente inteligente. É certo que a UE enfrenta o desafio de ser capaz de manter a sua competitividade num mundo globalizado que não segue as mesmas preocupações sociais e ambientais, mas não tenhamos dúvidas que os maiores vetores de competitividade e resiliência no futuro são mesmo a sustentabilidade e a transição digital. Portugal deverá receber quase dez mil milhões de euros, terá de os saber investir.
[1] https://ellenmacarthurfoundation.org/resources/food-redesign/overview
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