O Futuro da Transição Energética em Tempo de Guerra – 4 Reflexões na Perspetiva Europeia
Considerando os objetivos de descarbonização e transição energética da UE, o conflito armado em curso terá consequências.
O conflito armado que perdura em território ucraniano acarreta amplas consequências para o funcionamento da economia global. Por maioria de razão, assim sucederá no que concerne à economia europeia, sabendo de antemão que a União-Europeia (UE) tem uma elevada dependência do exterior em relação a produtos energéticos, designadamente petróleo e gás natural.
Considerando os ambiciosos objetivos de descarbonização e transição energética da UE, é inequívoco que o conflito armado em curso exige uma consideração, em termos amplos, das consequências que daí decorrem para o referido movimento.
Pela nossa parte, aqui deixamos 4 breves reflexões sobre trajetórias possíveis para vários segmentos da transição energética, como resultado (direto ou indireto) do conflito armado a que inicialmente aludimos – procurando, sempre que possível, retirar indícios suficientemente fidedignos sobre o futuro mais próximo no setor energético à escala europeia, por ser esta última que mais diretamente impacta no caso português.
I. No curto-prazo, ocorrerá uma rápida diversificação da oferta de gás natural
A dependência energética revelada pela UE em relação ao gás natural russo é bastante significativa, com valores que ascendem a 155 mil milhões (biliões) de metros cúbicos, representando cerca de 45% das importações de gás e 40% do seu consumo total de gás – de acordo com valores da Agência Internacional de Energia (IEA) para o ano de 2021, recentemente divulgados.
No curto-prazo, como seria relativamente expectável, a União Europeia está a encetar estratégias para aumentar as suas importações de LNG de EUA e, ainda que em menores proporções, também do Qatar.
Este aspeto, que nada tem de surpreendente à luz da livre confluência entre oferta e procura, não deixa de ter um aspeto muito relevante para a transição energética: no caso dos EUA, o gás exportado para a UE tem por base, na sua parte mais substancial, o “fracking” (método de fratura hidráulica) que, em termos comparativos, consome quantidades bastante superiores de água e é bastante mais poluente do que os métodos alternativos de exploração e obtenção de gás natural.
II. No médio e longo-prazo, os investimentos em energias renováveis vão aumentar
Compreensivelmente, a UE pretende reduzir a sua dependência do carvão de forma a poder atingir os seus objetivos de neutralidade carbónica até 2050, com cortes nas emissões até cerca de 55% até 2030.
De acordo com informação do Eurostat, relativa ao ano de 2020, 32% da energia consumida na UE proveio de produtos petrolíferos, cerca de 25% do gás natural, 18% de fontes renováveis e 13% da energia nuclear.
Ainda assim, o reforço dos investimentos previstos para o segmento renovável são uma realidade incontornável e, em linha com as declarações da Presidente da Comissão Europeia, estabelecem agora uma relação (mais relevante que nunca) entre o Green Deal e a segurança energética (tópico que, até ao momento, tem sido tratado essencialmente à escala nacional, por parte de cada Estado-Membro).
III. A importância do posicionamento da Alemanha e as repercussões para (e no) mercado do gás natural
Em decorrência do conflito armado em curso e, bem assim, da sua dependência face às importações de gás natural russo, o Governo Alemão assumiu recentemente a intenção de oferecer cobertura a todas as suas necessidades de consumo de eletricidade com recurso a fontes renováveis até 2035, antecipando assim o respetivo cenário-base, que se comprometia com uma trajetória coincidente com o ano de 2040.
Neste contexto, o Ministro dos Assuntos Económicos e da Ação Climática (Robert Habeck) aludiu expressamente à necessidade de acelerar a expansão da capacidade instalada em energias renováveis como um fator-chave para reduzir a dependência energética (e, bem assim, económica) da Rússia, no que concerne a produtos petrolíferos e energéticos, novamente com destaque para o gás natural.
Estas declarações, antecedidas de tomadas de posição em sentido análogo por parte do Chanceler Olaf Scholz, coincidem com as alterações a introduzir à Erneuerbare-Energien-Gesetz (EEG), vulgarmente conhecida por “Lei das Energias Renováveis”, prevendo-se, neste contexto, os seguintes objetivos:
(i) O “mix” entre energia eólica e solar deverá atingir valores próximos de 80% até 2030;
(ii) A capacidade da eólica onshore deverá duplicar e alcançar valores próximos dos 110 GW;
(iii) A capacidade da eólica offshore deverá atingir um valor aproximado de 30 GW; e
(iv) A capacidade do solar deverá triplicar face a valores atuais, atingindo os 200 GW.
Ao mesmo tempo, a Alemanha revelou ainda a intenção de acelerar a construção de dois terminais em Brunsbüttel e Wilhelmshaven, na costa do Mar do Norte, procurando associar o aumento da procura por gás não-russo ao aumento de capacidade de armazenamento.
Vários aspetos relativos aos investimentos nos referidos terminais ainda estão em fase de discussão, mormente atendendo à importância igualmente atribuída aos investimentos em gases renováveis (em especial, o Hidrogénio), não sendo de excluir que o terminal de Brunsbüttel seja utilizado para a importação de Hidrogénio Azul e Verde e que Wilhelmshaven possa ainda integrar um “hub” focado no Hidrogénio Verde (o designado “Green Wilhelmshaven”).
Sabendo de antemão que a economia alemã e muitas das respetivas opções estratégias têm um efeito sinalizador muito relevante para os demais Estados-Membros da UE, parece-nos que estes sinais são extremamente positivos quanto às respostas que, num horizonte de médio-prazo, serão capazes de oferecer e, com isso, trazer benefícios para o sistema energético europeu.
Este posicionamento do Governo Alemão parece-nos ainda ter um relevo adicional, no que concerne ao estabelecimento de relações com outro tipo de parceiros ao nível das importações/exportações de Hidrogénio, diminuindo o peso até agora ocupado pelas importações russas, não sendo de excluir que estratégias semelhantes, ainda que com a devida escala, possam ser adotadas noutros Estados-Membros.
IV. As discussões atuais em torno do nuclear e do carvão
Também ao nível de vetores com o carvão e o nuclear (e respetivas estratégias de utilização) são sentidos os impactos do atual conflito entre Ucrânia e Rússia.
No que concerne ao carvão, pese embora a existência de um plano de “phaseout” à escala europeia, não será de excluir uma reponderação do seu papel a geração de eletricidade, servindo de exemplos os seguintes casos:
(i) A Alemanha aumentou recentemente os níveis de queima de carvão para produção termoelétrica, de tal forma que o setor tem revelado alguma expetativa para aferir até que ponto se concretizará a intenção inicial alemã de antecipar o abandono definitivo do carvão de 2038 para 2030; e
(ii) A Itália, nos termos de declarações do próprio Primeiro-Ministro Draghi, pondera a reabertura de centrais termoelétricas que, entretanto, tinham sido encerradas.
No que concerne ao nuclear, é igualmente claro o reposicionamento de vários Estados-Membros quanto ao respetivo relevo, podendo oferecer-se os seguintes exemplos:
(i) O Governo Alemão decidiu rever a decisão de encerramento de centrais nucleares (4 GW);
(ii) Os Governos Neerlandês e Belga estão a considerar a extensão dos períodos de “phase out” das respetivas centrais nucleares; e
(iii) O Governo Francês, com o particular apoio do Presidente Mácron, apresentou recentemente um plano para construir 14 novos reatores nucleares, neste caso seis reatores de água pressurizada de segunda geração (PWR), seguindo-se um estudo (igualmente integrado no referido plano) para a construção de mais oito reatores até ao final da década de 2040;
(iv) Outros Estados-Membros, tais como Países Baixos, Polónia, República Checa, Roménia ou Eslovénia estão a igualmente a ponderar investimentos no segmento nuclear.
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