O público, o privado e a concorrência

Semana negra para o Facebook: um documentário recorda o escândalo Cambridge Analytica e ao mesmo tempo nasce o embrião de um processo anti-concorrência que pode partir a empresa aos bocados.

O Facebook continua a oferecer material para alimentar a cultura popular. Desta vez é um documentário do Netflix chamado “Nada é privado”, que se dedica a apresentar o escândalo Cambridge Analytica e as suas consequências. O documentário até tem bons efeitos visuais e quase parece ter feito o trabalho de casa. Quase, porque na verdade não o fez. Reproduz mentiras sem contexto, dá espaço a opinadores de qualidade dúbia e não é claro no que procura atingir.

O que se afirma no título original, The Great Hack, é falso: não houve nenhum roubo de informação. O que ocorreu foi uma cedência consciente de dados por parte dos utilizadores ao Facebook e a sua cedência a empresas terceiras, que depois escondeu esse facto durante tanto tempo quanto lhe foi permitido – convém lembrar que, na véspera da publicação da história pelo Guardian/Observer, a empresa enviou uma carta a ameaçar o jornal e para tentar manter o segredo. E o que depois a Cambridge Analytica e os russos fizeram em termos de manipulação de informação não foi mais do que a utilização inteligente dos meios que o próprio Facebook colocou à disposição dos utilizadores.

O problema com o Facebook não é o que está nos termos e condições. O problema está na sua forma de operar, no seu comportamento monopolista, na atitude arrogante – e na inépcia dos reguladores americanos, que prejudicaram objetivamente os seus cidadãos e a democracia do seu país.

Da mesma forma, o problema da privacidade na internet não é o Facebook. O problema é toda a economia do clique, cujo fito é transformar os utilizadores em produto que é revendido para publicidade. Isto, aliado ao descontrolo dos reguladores e aos equívocos sobre como aplicar legislação sobre o digital, deu margem de manobra aos monstros digitais para passarem mais de uma dezena de anos a desmontar o sistema da democracia liberal.

Uma outra estreia que ocorreu recentemente tem muito mais potencial para prejudicar o Facebook. Chris Hughes, ex-fundador da rede social, juntou-se a dois académicos ligados às práticas de concorrência para construir um caso legal contra a empresa de Mark Zuckerberg. O processo assume que o Facebook fez “uma série de aquisições defensivas” para proteger a sua posição no mercado publicitário, onde se inclui o Instagram e o WhatsApp. Para alem disso, copiaram funções específicas de outros concorrentes, tal como o feed do Twitter e quase tudo o que faz o Snapchat.

Ao incluir como membro ativo desta ação um insider como Chris Hughes, o processo ganha outra importância: o acesso a informação interna e os responsáveis pelos acontecimentos pode ser fundamental no ataque a uma empresa desta dimensão. Já em maio o mesmo Hughes tinha escrito um artigo de opinião para o New York Times em que defendia pura e simplesmente que “é tempo de partir o Facebook”.

E os académicos em causa não são estranhos a estas questões: Tim Wu e Scott Hemphill têm experiência a estudar e construir casos anti-monopólio e recuam mesmo mais de um século para encontrar paralelos na história da regulação capitalista americana, até ao processo de destruição da Standard Oil em 1911. Um processo destes pode demorar anos mas, caso avance, tem potencial para ser muito mais danoso do que a multa simbólica que foi aplicada ao Facebook no mês passado.

Ler mais: Tim Wu é conhecido como o homem que cunhou o termo “neutralidade da net”, mas é muito mais do que isso: é professor de direito da Universidade de Columbia e autor de uma série de livros sobre a economia digital. O seu último livro, saído no final do ano passado, chama-se The Curse of Bigness e dedica-se precisamente a dissecar a necessidade e a forma de quebrar as empresas extremamente poderosas do mundo digital.

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