OE 2024 – Temas que devíamos discutir

  • Marta Gaudêncio e Maria Norton dos Reis
  • 10 Outubro 2023

É urgente, sim, rever e compatibilizar medidas já existentes, que levem à criação de um ambiente estável e gerador de confiança, facilitando assim o investimento em Portugal.

Outubro é o mês em que a proposta do Orçamento de Estado é entregue e começa a ser discutida, propiciando a discussão de temas fiscais relevantes.

Com a publicação do pacote “Mais-Habitação”, provavelmente no próximo mês, deixará de ser possível a obtenção de “vistos-gold” mediante a aquisição de imóveis em Portugal – limitando-se, assim, esta forma de investimento estrangeiro -, mantendo-se, porém, em vigor o estatuto do “Residente Não Habitual” ou “RNH”.

Este regime especial de tributação de IRS prevê (i) a isenção ou tributação a uma taxa reduzida de alguns rendimentos estrangeiros e (ii) a tributação à taxa fixa de 20% dos rendimentos de actividades de elevado valor acrescentado.

Assim, se por um lado se revogam medidas cujo principal intuito é atrair investimento em Portugal, não se compreende que não se revejam normas aplicáveis aos RNH que desincentivam esse mesmo investimento.

Poderá discutir-se a bondade de um sistema que tributa à taxa de 10% as pensões pagas por um sistema da Segurança Social (SS) estrangeiro a um RNH, enquanto as pensões pagas pela SS portuguesa, a um mesmo RNH, ficam sujeitas às taxas gerais progressivas de IRS (mais as eventuais taxas de solidariedade). Esta é uma opção política.

Mas falta coerência para incluir outras normas que permitam atrair investimento em Portugal. Por exemplo: os dividendos pagos por uma sociedade sediada no estrangeiro a um RNH ficam isentos de tributação em Portugal, mas se estes dividendos forem pagos por uma sociedade portuguesa a um RNH, ficarão sujeitos a uma taxa de 28%.

Não faria mais sentido estimular a criação de empresas em Portugal, que desenvolvessem o tecido empresarial existente, ainda que a isenção de tributação dos dividendos se aplicasse apenas caso fossem criados x postos de trabalho, ou caso o volume de negócios da sociedade fosse superior a um certo valor?

É evidente que, para ser verdadeiramente eficaz, esta medida teria de ser tomada em conjunto com diversas outras, muitas delas já sugeridas:

  • Reduzir a taxa de IRC, libertando valores para reinvestimento;
  • Ajustar as taxas de IRS, que continuam demasiado elevadas;
  • Reduzir as obrigações fiscais dos contribuintes, que actualmente trabalham também para a Autoridade Tributária (AT);
  • Reformar os serviços da AT, permitindo que os assuntos sejam tratados em tempo útil e que as regras sejam cumpridas;
  • Criar um conjunto de normas fiscais em cuja estabilidade os contribuintes possam confiar.

A política fiscal não se limita às taxas de imposto aplicáveis, nem aos benefícios fiscais disponíveis. Há muitos outros aspectos a ter em conta, os quais são fundamentais: a confiança na estabilidade da política fiscal e a garantia de que qualquer processo administrativo ou judicial será resolvido atempadamente. Todo o potencial investidor coloca questões sobre estes dois assuntos, que podem determinar o avanço, ou não, de determinado investimento.

Um dos objectivos do regime RNH consiste em atrair para Portugal profissionais altamente qualificados. Sabemos que, para 2024, serão propostas medidas para incentivar os jovens a iniciarem a sua actividade profissional em Portugal. Interessa reter estes profissionais.

Sem prejuízo da criação de novas medidas – que é sempre bem-vinda -, é urgente, sim, rever e compatibilizar medidas já existentes, que levem à criação de um ambiente estável e gerador de confiança, facilitando assim o investimento em Portugal e permitindo a verdadeira redistribuição de riqueza.

  • Marta Gaudêncio
  • Associada coordenadora da Pares Advogados
  • Maria Norton dos Reis
  • Associada coordenadora da Pares Advogados

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