Robles e Trufas

A Segurança Social decidiu colocar à venda um prédio por cerca de 280 mil euros. Entrava pelos olhos dentro de todos (até de um dirigente do BE) que se estava a vender ouro pelo preço de pechisbeque.

Esta semana esteve em Portugal o Presidente de França, mas não é por isso que vou falar deste País, que amo tanto e que considero ser uma segunda Pátria.

Vou falar-vos de André Malraux e de Molière e, pelo caminho, vão aparecer De Gaulle e… trufas.

Malraux (lutador anti-fascista, aventureiro, romancista, ministro da Cultura) escreveu notáveis livros e entre eles um diálogo com o presidente De Gaulle, na sua fase final, a que deu o título “Les chênes qu’on abat” que se traduziu em português com o título “Quando os robles se abatem”.

Molière (um dos autores dramáticos mais importantes da História da Cultura que encheu o século XVII francês), escreveu peças teatrais imortais, e entre elas “Le Tartuffe, où l’imposteur” que se traduziu em português como “O Tartufo”. E, curioso, a palavra “trufa” (esse divino fungo) vem do italiano “tartufo” e as trufas ou tartufi surgem ao pé dos carvalhos ou robles…

Ricardo não é roble nem trufa

Vem isto a propósito da vítima ou pretexto para uma “cabala” contra o Bloco de Esquerda, uma “difamação”, segundo afirmou sem se rir a sacerdotisa-mor da agremiação, Catarina Martins. Falo do agora famoso (e já não pelos seus bonitos olhos) Ricardo Robles.

Tartuffe, o personagem de Molière, era um frade que não hesitava em mentir, roubar, enganar, especular, em proveito próprio, mas claro que sempre em nome de Deus. O nosso Robles não é tão mau, nem uma personagem tão caricatural. Não quero que ache que o estou a difamar, não vá ele ser uma flor de estufa como outro, adiante se perceberá porquê.

O roble (ou carvalho) de Malraux era De Gaulle. O nosso Robles não é tão bom e, quando muito, passará à História como uma curiosa e exemplar nota de rodapé e não ombreará com o francês, regularmente eleito como o homem mais importante da História do seu povo.

E, se o nosso Robles se não deixa abater, também não chega aos calcanhares de um fungo como a trufa, apesar desta se deixar colher com a ajuda de cães ou de porcos.

Já tudo foi dito e escrito sobre o personagem português. Não vale a pena gastar mais cera com este defunto (que persiste em estrebuchar como se estivesse ainda politicamente vivo), que em todo o caso teve artes de, ganhando 20 000 euros por ano, conseguir financiamento de centenas de milhar de euros.

Mas ainda há dois temas que merecem a vossa atenção aí em casa, mesmo que estejam já fartos do assunto ou sejam do Bloco de Esquerda e, não sendo masoquistas, prefiram não continuar a remexer nesta ferida.

O Estado não sabe vender nem ajudar quem precisa

Ambos os temas têm mais a ver com quem vendeu do que com quem comprou. A Segurança Social decidiu colocar à venda um prédio por pouco mais de 280 000 euros. Ele foi comprado em leilão por pouco mais de 340 000 euros por dois irmãos (aparentemente não especializados no ramo). Os irmãos investiram cerca de 650 000 euros em obras de reabilitação e despejos (exceto num caso) por acordo com os inquilinos e por isso seguramente pagando mais do que a lei determinaria. Uma empresa líder no mercado imobiliário não teve dúvida em achar que o prédio podia ser vendido por 5,7 milhões de euros.

Isto só pode ter duas explicações.

A primeira é ser este mais um forte exemplo da incompetência do Estado.

Entrava pelos olhos dentro de toda a gente (até de um dirigente do Bloco de Esquerda) de que se estava a vender ouro pelo preço de pechisbeque.

Não pareceu assim aos burocratas que gerem a segurança social, no que aqui se assume ser pura incapacidade.

E era também evidente que este prédio podia ter servido para finalidades sociais. Curiosamente, há meses estigmatizei aqui a teoria de que os privados devem ser obrigados a ter arrendamentos sem lógica de mercado para fins sociais, quando o Estado prefere não usar o seu vastíssimo património para tal efeito.

Depois disto não creio que alguém possa discordar do que aqui disse há uma semana: “o Estado não nos consegue proteger bem na educação, na doença, na habitação, na reforma” e que há que “defender a iniciativa privada sem pudores e lutar sem complexos pela diminuição das funções do Estado e pela baixa dos impostos”.

O que nunca imaginei foi que um competente investidor imobiliário, embora assanhado adversário do capitalismo que o enriqueceu, acabasse a ajudar à demonstração do que defendo. Por isso, pouco importa que Robles seja um tartufo e se tivesse suicidado politicamente, como as notícias de hoje confirmam. Foi um sacrifício que fez por uma excelente causa e todos os que pagamos impostos lhe devemos ficar muito gratos.

Claro que pode não ter sido assim. E esta é a segunda reflexão.

Então não se tratou de incompetência, mas de algo diferente.

Costuma-se dizer que quando a esmola é grande o pobre desconfia. A Segurança Social (era útil colocar os nomes na coisa e não apenas o da instituição…) decidiu vender em 2014 cerca de 700 metros quadrados de um edifício para reabilitar, situado numa zona com grande procura, perto de um terminal de cruzeiros em construção, quando já era evidente a procura de estrangeiros. Fê-lo propondo um preço de cerca de 400 euros o metro quadrado. E só surgiram seis candidatos para a pechincha?

A questão aqui é por isso perceber como foi promovida a venda. Ando na vida ativa há quase 50 anos e já vi muita coisa. Espero que não seja esta mais uma coisa das que vi e sempre me chocaram. Espero que isto não fosse um leilão para insiders, que investidores normais não saberiam estar a ocorrer.

Nada disto significa que Robles participou em qualquer ilegalidade; mas podia tudo estar feito para alguém e ele ter sabido por acaso e ter afinal lixado o esquema.

Estou sinceramente convencido de que isto é apenas um caso de total incompetência do Estado.

Mas ou é uma coisa ou é outra.

Conviria averiguar para tirar lições: Fazem-se tantos inquéritos, que talvez não fosse má ideia que a Assembleia da República se chegasse à frente.

E para acabar, antes de mudar de tema, um elogio a jornalistas portugueses que – apesar de serem próximos do Bloco de Esquerda – tiveram coragem de tratar deste tema.

Quem se mete com Figueira, apanha!

Mas não foi preciso coragem de jornalistas no tema que vou agora abordar. Bastou aquele faro que têm para saber tudo sobre o que são temas de justiça, mesmo que estejam em segredo, sem colaboração de ninguém.

A história é simples, mas também exemplar.

O Procurador da República Orlando Figueira (que foi acusado por seus Colegas Procuradores da República e pronunciado por um Juiz de instrução da prática de crimes de corrupção e reconheceu ter praticados os de evasão fiscal e branqueamento de capitais) sentiu-se ofendido por neste programa eu o ter criticado – reconheço que com a intensidade que o caso merece – e ter assumido os crimes que confessou e registado que magistrados acharam que havia indícios fortes de ter praticado outros.

Por isso participou criminalmente de mim por difamação, publicidade e calúnia, por o ter “enxovalhado” (sic) em público e avisou que ia pedir-me indemnização por danos à sua imagem, consideração pessoal e profissional, e coisas semelhantes, incluindo o seu “bom nome” e a sua “honra”. É o seu direito.

A não ser que ele seja masoquista ao ponto de querer mexer na ferida e fazê-la gangrenar, o Procurador Figueira foi seguramente tão surpreendido como eu pela competência profissional de um jornalista da Sábado que conseguiu ter acesso à participação criminal e em menos de dois dias me ter contactado.

Realmente apenas no dia 23 de Julho eu recebi a comunicação obrigatória da sua advogada de que ia queixar-se, por isso só depois disso a queixa pode ter entrado, e o Sábado tudo imprimiu para surgir nas bancas na madrugada do dia 26.

Porquê falar aqui disto?

Porque este tipo de comportamentos serve objetivamente para intimidar quem arrisca opiniões no espaço público. O facto de eu me não deixar intimidar não é a questão.

Devo presumir que o Procurador Figueira desconhecia a fuga de informação e coerentemente não a quis comentar para a revista dizendo – e bem – que “há um lugar próprio para falar de assuntos relacionados com atentados ao bom nome”.

A divulgação urbi et orbi da queixa é por isso o oposto do que o Procurador Figueira afirma ser correto. Mas serve, objetivamente, para que outros fiquem avisados de que quem se mete com o Dr Figueira leva!

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