Falar sobre mulheres, essa “coisa tão masculina”

"As mulheres e o emprego: um tema do Homem" é o debate proposto pela CIP para assinalar o Dia Internacional da Mulher. Imagine agora que o painel é 100% composto por homens. É.

Não questionemos o título, “As mulheres e o emprego: um tema do Homem”, que brinca com a palavra “Homem” como sinónimo de Humanidade mas que remete imediatamente, e sem papas na língua, para a montra de homens a quem se passa este microfone, se atentarmos no programa. Vejamos: Jorge Magalhães Correia, presidente do Conselho de Administração da Fidelidade que conta com 15 membros (15 homens); José Luis Arnaut, presidente do Conselho de Administração da ANA – Aeroportos de Portugal (de 13 membros, um é mulher); Paulo Macedo, presidente da Comissão Executiva da Caixa Geral de Depósitos (em oito elementos, existe uma mulher) e Salvador de Mello, presidente executivo do Grupo José de Mello (de 13, dois dos membros são mulheres).

Não questionemos o rasgo de “fazer diferente”, de procurar “pôr os homens a falar sobre um tema que diz respeito a todos”, uma matéria — a liderança — na qual até são especialistas (se considerarmos que representam uma maioria que, em Portugal, corresponde a mais quase 75% das lideranças nas empresas).

Não questionemos sequer o quase FOMO (fear of missing out, o medo de perder algo) sempre que somos projetados contra a parede do “temos de fazer alguma coisa”, ou melhor, “temos de fazer qualquer coisa” para assinalar o Dia Internacional da Mulher. Como marco num calendário, organizações por todo o mundo não querem perder a oportunidade de assinalar a efeméride que não é mais do que um mal menor, um post-it manhoso que nos lembra, a todas, do quão desigual é ainda o acesso das mulheres ao mundo para o qual contribuem 50%. O Dia Internacional da Mulher é uma maneira de trazer para a agenda mediática um “tema” que devia ser de todos os dias: a busca de uma total igualdade de oportunidades.

A Confederação Empresarial de Portugal, que representa mais de 150.000 empresas, que empregam 1,8 milhões de trabalhadores e são responsáveis por um volume total de negócios que representa 71% do PIB nacional (segundo a CIP), decidiu assinalar o #8M com uma conferência, marcada para esse dia, intitulada “As mulheres e o emprego: um tema do Homem”, e inserida no âmbito do Projeto Promova, programa de formação executiva da CIP e destinado às mulheres e à sua promoção ao altos cargos de direção das empresas.

Para fugir ao “normal”, para fazer diferente, para marcar uma posição ou, simplesmente, porque teimamos em sair das nossas bolhas pessoais de privilégio, as justificações importam pouco neste caso.

Questionemos o princípio: escreve assim a CIP, numa publicação datada desta quarta-feira. “No Dia da Mulher, a CIP promove uma conferência dedicada à igualdade de oportunidades no emprego. No tecido empresarial, apenas 26,6% dos líderes são mulheres. Por isso, queremos saber que papel têm os homens na mudança em prol da igualdade de género.” A Confederação Empresarial de Portugal, liderada por António Saraiva, justifica a presença total de homens no painel com o argumento de que, no tecido empresarial nacional, apenas 26,6% dos líderes são mulheres. Não seria, tomando a questão literalmente, de considerar representar pelo menos essa percentagem no painel de debate?

Para fugir ao normal — considerando, o “normal” aberrante, as dezenas de revistas sobre o que pensam empresários sobre os negócios em contexto de pandemia, ou os inúmeros livros sobre como antecipam o futuro, ou ainda a grande maioria de conferências, sobre os mais variados temas, sempre com uma presença masculina muito marcada, são incontáveis os exemplos de situações ou contextos em que as mulheres não são ouvidas publicamente sobre quaisquer temas.

À CIP, aos patrocinadores da conferência — ANA, EDP, Sonae e Randstad –, e a outras organizações que falham em, tantas vezes, não garantir a representatividade de vozes nos seus conselhos de administração e lideranças intermédias, assim como para tantas revistas, jornais e televisões (sim, as televisões que alinham homens em painéis de opinião e debate como se as mulheres não fossem válidas para o papel), competia apenas uma coisa por tudo isto e, sobretudo, por se tratar de assinalar o Dia Internacional da Mulher: assegurar a representatividade de géneros num debate, garantindo a representação do mundo. Quanto a nós, todos sem exceção, compete-nos o mesmo: garantir, a todos, uma voz. Porque, para falar de mulheres importa, mais do que falar sobre elas, dar-lhes a palavra.

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