Os 5 (+2) Mandamentos de Gestão da Água

  • Simão Mendes de Sousa
  • 29 Fevereiro 2024

O momento é de tomada de decisões reativas e de urgência, mas o tempo tem-se encarregado de demonstrar que depender da chuva tem conduzido a uma situação de extrema gravidade.

Em conversa mantida, há um par de semanas, com o Professor Joaquín Tornos Más da Universidade de Barcelona, especialista em Direito Administrativo e em temas de Direito da Água do país vizinho, e no decurso de uma conferência internacional que decorreu na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa sobre o tema: “Políticas, Instituições e Regulação da Água: Cumprir o ODS 6”, não resisti a questionar o Professor sobre a sua opinião relativamente aos transvases de água, ao processo de dessalinização e como o Direito Administrativo pode contribuir para ajudar a mitigar a situação de escassez de água. Essa conversa fez-me pensar naqueles que seriam os mandamentos essenciais de uma gestão da água eficiente.

Assumindo, como decorreu da conversa mantida, que apenas podemos pensar em soluções possíveis, creio que podemos ensaiar cinco mandamentos da proteção e gestão da água:

  1. Política Tarifária: Sendo eu um assumido defensor de uma solução concertada que passe por uma política tarifária equilibrada que, partindo do princípio da recuperação de custos, penalize os consumos excessivos, sem deixar de proteger os mais desfavorecidos, uma vez que a água não é um produto comercial como outro qualquer (Considerando 1 da Diretiva-Quadro da Água), creio que a convergência tarifária nacional, respeitando todos os princípios em que se baseia, mas que se adapte às especificidades de cada terra, se afigura essencial no planeamento a longo prazo dos investimentos necessários.
  2. Redução de Perdas: Um país que perde em média 30% da água produzida, não se pode queixar de fraca precipitação ou, do consumo dos particulares ou, de uma agricultura que produz bens impensáveis para um país em que a pluviosidade é assimetricamente distribuída entre o norte e o sul. O combate às perdas encontra-se intimamente ligado ao planeamento e à política tarifária, uma vez que só uma política tarifária equilibrada, permite um maior investimento que seja promotor da redução do desperdício. Sem redução de perdas, inexiste qualquer tipo de poupança e de equilíbrio.
  3. Reutilização: O recurso à reutilização de águas residuais urbanas tratadas para a rega de jardins – ou de campos de golfe –, a satisfação das necessidades de consumo dos municípios – por definição grandes consumidores – e da hotelaria que não envolvam o consumo humano. Em lisboa, por exemplo, já encontramos no Parque Tejo – a primeira licença de águas para reutilização emitida – aquela que devia ser a realidade um pouco por toda a parte: Regar jardins com águas residuais urbanas tratadas, contribuindo para um consumo mais eficiente e, como tal, uma maior poupança de recursos.
  4. Dessalinização: A dessalinização deve ser encarada como um processo direcionado, sobretudo para uma escala reduzida, não só pelos custos que se lhe envolvem, como pela pegada ecológica que acarreta, ainda que a maturação do processo permita uma diminuição dos inconvenientes que se lhe encontram associados. Há exemplos recentes, de privados que pretendem construir a suas próprias centrais dessalinizadoras, satisfazendo necessidades de consumo próprias, diminuindo, eventualmente, o stress hídrico dessas regiões em que a pluviosidade se afigura menor.
  5. Transvases: Transvasar água, de forma simplista, compreende a transferência da água existente de uma bacia hidrográfica para outra, através de uma infraestrutura criada, especificamente pare esse feito. A experiência não é nova no nosso País, mas a sua gestão para ser eficaz deve permitir que seja utilizada de uma forma que não deixe a bacia doadora em situação de escassez, alimentando desenfreadamente a bacia recetora. Sendo uma medida que acarreta riscos ambientais, necessitando de uma gestão cuidada da sua implementação, trata-se de uma necessidade evidente que, surpreendentemente, ainda é um tema tabu, sobretudo tendo em consideração a dimensão do território nacional.

Sobram os dois mandamentos-sombra. O primeiro: planeamento. Com o tempo, o país deixou de pretender planear o seu futuro no médio-longo prazo. O imediatismo político tomou conta da decisão, sendo que, no setor da água, a ausência de planeamento conduz à reatividade e à má decisão das entidades públicas. A solução tem sido, invariavelmente, assente em medidas reativas de investimentos que não se concretizam, e racionalização de consumos assente em cortes de abastecimento que, por definição, não resolvem estruturalmente nenhum problema.

O segundo: investimento. A ausência de um investimento planeado, tem permitido a manutenção do desequilíbrio tarifário, o aumento das perdas de água que desequilibram financeiramente as entidades gestoras, a ausência de soluções tecnológicas que permitam poupança de um recurso escasso e a maior eficiência operativa dos serviços de água e saneamento.

Infelizmente, o momento é de tomada de decisões reativas e de urgência, mas o tempo tem-se encarregado de demonstrar que depender da chuva para gerir de forma eficaz e equilibrada um recurso escasso e essencial à vida, tem conduzido a uma situação de extrema gravidade. Mais urgente do que atuar, é pensar a gestão da água no nosso país no horizonte de médio-longo prazo.

  • Simão Mendes de Sousa
  • Associado de Direito Público da CMS

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