Outra vez as sociedades multidisciplinares: mas alguém se preocupa com os clientes?

  • João André Antunes
  • 22 Março 2023

As posições que sustentam a inadmissibilidade das sociedades multidisciplinares, indiscutivelmente legítimas sublinho, concentram-se de forma quase obsessiva na idiossincrasia da profissão de advogado

Para quem se predispôs a dedicar cinco minutos do seu tempo para ler as linhas seguintes, antecipo desde já a minha posição favorável quanto à pertinência do reconhecimento formal das sociedades multidisciplinares em Portugal. Assim pouparei tempo àqueles cuja posição contrária é definitiva e irredutível.

Muito tem sido escrito sobre o advento das sociedades multidisciplinares e do impacto que esta realidade acarretaria. Mas impacto junto de quem? Dos próprios Advogados, dos seus Clientes ou de ambos? Encontro uma profusão de opiniões na defesa dos primeiros, mas muito poucas linhas dedicadas aos segundos. Sucede que, a meu ver, as posições que sustentam a inadmissibilidade das sociedades multidisciplinares – indiscutivelmente legítimas, sublinho – concentram-se de forma quase obsessiva na idiossincrasia da profissão de Advogado e não naquilo que é o objeto do trabalho do Advogado: a defesa dos interesses dos seus Clientes.

Foquemo-nos na palavra multidisciplinar e no seu prefixo. Multi significa pluralidade. Pluralidade de áreas de prática, pluralidade de especialidades, pluralidade de técnicas e, claro está, pluralidade de necessidades de um conjunto diverso de Clientes. Negar esta realidade é, salvo melhor opinião, insistir no erro que tanto tem minado a relação entre os Advogados e sua Ordem e motivado o desinteresse progressivo daqueles sobre os desafios conjuntos da profissão. A advocacia é uma profissão liberal de contornos amplos e que tanto se exerce de forma digna, completa e necessária às 9h30 da manhã no Tribunal Judicial de Sernancelhe como às 11h30 da noite num gabinete de um prédio das Amoreiras. Através da análise de qualquer site de um escritório de Advogados é possível concluir que, face a tantos e tão distintos serviços e áreas de prática oferecidos pelos Advogados aos seus Clientes, o atual Estatuto da Ordem dos Advogados (“EOA”) cobre apenas de forma residual a realidade da profissão. Basta pensar, a este respeito, que o atual EOA dedica um (e apenas um) sofrível artigo do seu corpo legal às Sociedades de Advogados. E este artigo pouco mais faz do que remeter os aspetos regulatórios das mesmas para o não menos sofrível “regime jurídico da constituição e funcionamento das sociedades de profissionais que estejam sujeitas a associações públicas profissionais”. Encurtando caminho, defender o status quo atual pode ser legítimo, como acima fiz questão de referir, mas não é sensato pois remete para segundo plano a evolução que ocorre no mundo real.

Já não vivemos num mundo meramente global, pois ele derivou para um mundo uberizado – longe do que é desejado, mas a realidade é assim. Negar que a concorrência é a melhor forma de promover a qualidade é querer fechar os olhos. Por isso, opiniões eloquentes e retumbantemente defensoras sobre o atual protecionismo corporativo garantido aos Advogados e às Sociedades de Advogados no que às sociedades multidisciplinares diz respeito terá o mesmo destino que todas as outras tentativas protecionistas contestadas pelo mercado: será disputado e recusado por quem procura esses serviços.

Devem ser os Clientes a tomar a dianteira no sentido de definirem como pretendem ver os seus interesses defendidos. Cabe aos Advogados compreender o que deles é pretendido e ajustarem-se. As pessoas – clientes, consumidores, utentes – seja qual for a categoria em que as pretendemos enquadrar, vencerão sempre – gostemos ou não, é esse o modelo da nossa sociedade atual. E é aqui que entra a premência dos princípios deontológicos, pois eles são os verdadeiros guardiões da integridade da profissão exercida ao serviço dos Clientes.

No fim do dia, tudo tem que ver com quem terá melhores condições para dar resposta aos problemas dos Clientes, à luz de tais problemas em concreto? Advogados em prática individual? Sociedades de Advogados? Sociedades Multidisciplinares de Advogados, Auditores e Revisores de Contas? Outros modelos? Será quem necessita dos serviços quem deve dar a resposta e caberá aos agentes de mercado encontrar soluções – umas mais sofisticadas, outras mais dispendiosas, outras mais inovadoras, outras porventura mal sucedidas. Caberá, por sua vez, às várias ordens profissionais, mas sobretudo ao poder legislativo, estabelecer a ordem entre as várias Ordens.

Como cedo me ensinaram, só tem hipótese de ser um bom Advogado quem tem Clientes.

  • João André Antunes
  • Sócio da Pinto Ribeiro Advogados

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