Para quando uma mulher a Presidente do TC?

Não há falta de mulheres competentes ou com mérito para ocupar estas posições. Há falta de seriedade nos processos de indicação e eleição.

Foi apenas em 1975 que as mulheres foram admitidas no poder judiciário em Portugal. Ainda que se observe um número crescente de licenciadas em Direito, constitucionalistas e académicas, bem como de juízas no sistema judiciário, estas continuam, contudo, a sofrer de segregação vertical. Leia-se, permanecem afastadas dos tribunais superiores e, especialmente, das suas lideranças.

A atual composição do Tribunal Constitucional é demonstrativa disso mesmo: apenas 3 mulheres. A sua presidência? Nunca assumida por uma mulher. Esta não é, infelizmente, uma realidade exclusiva deste órgão: também o Supremo Tribunal de Justiça nunca contou com a Presidência feminina; nem tão pouco o Tribunal de Contas. Não obstante, o Parlamento chumbou, no passado dia 19 de julho, projetos de lei que tinham em vista a garantia da paridade na composição do Tribunal Constitucional.

Discute-se, assim, se a inclusão de normas que prevejam a paridade, na lei orgânica do TC, será inconstitucional. Havendo quem afirme que “falta a necessária base constitucional para essa “ação afirmativa”. A Constituição só admite a promoção do equilíbrio de género para a participação na vida política”. Ora, inconstitucional é um órgão desta relevância e impacto na sociedade – evidentemente político, quer no papel que assume de conformador do direito, quer no seu processo de eleição de membros que é erradicado na Assembleia da República – não ser igualitário, nem representativo da sociedade destinatária das suas decisões.

Em primeiro lugar, porque a garantia da igualdade de género e não discriminação encontra respaldo quer no artigo 13º, quer no artigo 109º da Constituição da República Portuguesa. Em segundo lugar, porque também se vinculou o Estado Português a normas de direito internacional e europeu que assumem força constitucional. Com efeito, na Declaração de Beijing [1], comprometeram-se os Governos signatários a estabelecer medidas de implementação de uma meta de equilíbrio entre homens e mulheres na administração pública e no judiciário. Também a Carta Europeia dos Direitos Humanos, no seu artigo 23º, estipula um dever dos Estados Membros de garantir igualdade entre homens e mulheres em todas as áreas, clarificando que, para tanto, podem ser adotadas medidas que prevejam especificas vantagens a favor do sexo sub-representado.

(Nota: do sexo sub-representado e não, especificamente, das mulheres. Este nota parece óbvia, no entanto, parece haver quem se esqueça que estes tipos de medidas não se encontram especialmente dirigidas às mulheres, nem tão pouco as pretende favorecer, mas – tão só – corrigir um chão desequilibrado.)

De facto, garantir a representatividade de género nos tribunais superiores não se trata de um “capricho” de feministas. Pelo contrário, como tem vindo a ser demonstrado pela Professora Nienke Grossman, revela-se, na verdade, uma condição para a integral legitimidade das suas decisões, quer na sua acessão democrática, como normativa e sociológica. Legitimidade que é alicerçada na sensação comum de “autoridade justificada” que, por seu turno, é baseada no sentimento de representatividade, de imparcialidade e justiça. Quando a comunidade sente que um órgão de autoridade pública não os representa, a crença de que estes têm o direito a governar, ou o direito a decidir em nome do coletivo, fica, obviamente, diminuída e prejudicada.

Ainda assim, o Professor Vital Moreira “não vê razão” para estipular a paridade no TC, excluindo os demais tribunais superiores. Não poderia estar mais de acordo. Destarte, não é argumento que afaste esta reforma para o Tribunal Constitucional, pelo contrário, estipule-se, então, para todos.

Aliás, medidas desta índole – que garantam a representatividade na composição dos tribunais – não é tema novo, não tão pouco estranho a Portugal. Com efeito, a Resolução n.º 1366 da Assembleia Geral do Conselho da Europa, definiu, em 2004, que passaria a rejeitar listas de candidatos ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, quando a lista apresentada pelo Estado Membro não incluísse pelo menos 1 candidato de cada sexo. [2]

Por fim, importa relembrar que não há falta de mulheres competentes ou com mérito para ocupar estas posições. Há falta de seriedade nos processos de indicação e eleição. Há falta de processos limpos de estereótipos e jogos políticos que prejudicam as mulheres.

Há, infelizmente, um passado estrutural que considerava as mulheres, “iguais embora em capacidade de inteligência e trabalho”, mas simultaneamente incapazes de exercer “funções de direção e de iniciativa que naturalmente estão reservados para o homem”. [3] Aos defensores da “meritocracia” eu pergunto: Se as mulheres e os homens são igualmente capazes e competentes, como é que se justifica a constante exclusão das mulheres?

PS: É pena que a autoproclamada “feminista” JS, levante mais a voz para falar destes temas, do que se levanta para os votar a favor no Parlamento.

[1] Objetivo estratégico G.1, Ponto 190 alínea a)
[2] Note-se que cada Estado Membro apresenta uma lista de 3 candidatos a juízes do Tribunal Europeu dos Direitos do Humanos.
[3] Ambas as citações são retiradas do Decreto nº4:676 de 1918, Diário do Governo

  • Colunista convidada. Advogada Estagiária na ML e Dirigente Nacional da JSD

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