Para tudo há um tempo certo

  • Susana Almeida Brandão
  • 9:39

Portugal pode e deve implementar políticas públicas de investimento nos PALOP e tem o dever de implementar políticas para atrair para o país investimento estrangeiro destinado aos PALOP.

Os números (quase) nunca mentem.

De acordo com as mais recentes estatísticas da Organização Mundial de Saúde (“OMS”), a população agregada dos países africanos de língua oficial portuguesa (“PALOP”) ascende atualmente a 73.341.607 pessoas. Somando a população portuguesa, o total atinge um impressivo número de 83.772.345 pessoas.

Este é um mercado inserido no último continente em ascensão. O continente africano enfrenta grandes desafios, mas também oferece enormes oportunidades: abundância de recursos naturais, integração regional acelerada e empenho na diversificação económica. A partir de 2035, contará com mais jovens em idade de trabalho do que a soma do resto do mundo. Até ao final do século, prevê-se que 40% da população mundial esteja em África.

Não menos relevante, África tornou-se palco de concorrência geopolítica internacional. As principais potências globais disputam os seus recursos e influência política.

A Europa, historicamente o principal parceiro de África, enfrenta concorrência de países com maior capacidade financeira, que oferecem apoio de forma mais rápida e menos condicionada.

Os dados demográficos e económicos deixam claro que o destino da Europa está intrinsecamente ligado ao de África. Portugal, em particular, reúne condições ideais para enfrentar esse desafio, posicionando-se como investidor direto e como porta estratégica para investimentos de outros países nessas geografias.

Nas últimas décadas os PALOP assinaram importantes acordos bilaterais de promoção e protecção de investimentos (a sigla em inglês, “BITs”) com vários países, incluindo Portugal. A assinatura do primeiro BIT entre Portugal e um PALOP remonta a 1990 com Cabo Verde, seguido pela Guiné-Bissau (1991) São Tomé e Príncipe (1995, único que ainda não está em vigor), Moçambique (1995) e Angola (2008). Embora os PALOP tenham assinado vários BITs entre si, nenhum deles está em vigor.

Os BITs são instrumentos jurídicos cruciais na regulação dos fluxos de investimento internacional, protegendo e promovendo o investimento estrangeiro direto e concedendo direitos e garantias recíprocas aos investidores. Cobrem temas como a definição de investimento, condições de entrada de investimento no país anfitrião, padrões de tratamento para investidores , garantias contra expropriação e nacionalização, regras de transferência de fundos e mecanismos de resolução de disputas entre investidores estrangeiros e o estado anfitrião.

São ainda importantes para promover políticas públicas de desenvolvimento económico e social, fortalecendo relações diplomáticas e estratégicas, aprofundando a cooperação e aumentando a atratividade dos países para a captação de investimento estrangeiro. Contudo, não são isoladamente suficientes para garantir o influxo desejado de investimento.

A decisão de realizar um investimento envolve múltiplos fatores, destacando-se a rentabilidade, que é diretamente influenciada pela tributação a que os investimentos estão sujeitos.

Portugal e os PALOP têm avançaram significativamente com a celebração de convenções para evitar a dupla tributação (“Convenções”). A mais recente entre Portugal e Angola, em vigor desde 22 de setembro de 2019.

Estas Convenções visam prevenir ou reduzir a duplicação de tributação do mesmo rendimento, concedendo créditos ou isenções fiscais que contribuem, também, para a prevenção da evasão fiscal. São instrumentos essenciais para a criação de um ambiente fiscal mais favorável, ingrediente essencial no aumento da rentabilidade dos investimentos e, assim, na promoção do investimento privado nos respetivos países.

Os BITs e as Convenções são ferramentas complementares na construção de um ambiente de negócios mais atrativo para investimentos internacionais, garantindo segurança jurídica, estabilidade fiscal e mitigação de riscos para investidores que operam em múltiplos países.

Apesar dos desafios ainda existente, nomeadamente na implementação prática dos respetivos regimes, é inegável que, conceptualmente, todos os passos necessários foram dados para promover um ambiente de negócios mais favorável ao aumento dos fluxos de investimento entre os PALOP e Portugal.

O crescimento económico da generalidade dos PALOP, integra uma tendência mais vasta de desenvolvimento de África e, particularmente, da África Subsaariana, excedendo a tradicional relevância dos recursos naturais, englobando sectores como a agricultura e as infraestruturas, que têm ganho uma importância crescente.

Os PALOP oferecem diversas oportunidades para empresas que procuram expandir-se internacionalmente. O sucesso nesses mercados depende do conhecimento dos acordos internacionais, dos incentivos disponíveis e do quadro regulatório. Como em todos os investimentos, uma abordagem estratégica, que inclua um entendimento cultural e agregue políticas de responsabilidade social, contribuirá para o aumento significativo das probabilidades de sucesso desses investimentos.

Os desafios associados ao financiamento, num contexto em que os recursos são cada vez mais escassos e caros, impõe a adoção urgente de mais e melhores políticas públicas que mobilizem recursos financeiros para apoio ao investimento nos e entre os PALOP. Iniciativas como o Compacto Lusófono devem ser replicadas e ampliadas.

Portugal pode não ter o músculo financeiro de outras potencias mundiais, mas tem vantagens imateriais valiosas: uma notável proximidade com o continente, particularmente com os países com que partilha a língua, e um tecido empresarial que tem mostrado, no terreno, compreender os mercados dos PALOP. A Lusofonia pode e deve ser não só um espaço de comunhão cultural, mas também uma questão de geoestratégia económica e política.

Voltando ao início, neste caso, os números são claros. Projeções da OMS indicam que, até 2050, a população dos PALOP e de Portugal aumentará para 153.400.906.134 pessoas, sendo Portugal o único país a registar um decréscimo populacional. Mesmo desconsiderando todas as potencialidades económicas dos PALOP, este é um número que não pode ser ignorado.

Portugal pode e deve implementar políticas públicas de investimento nos PALOP e, tão importante quanto isso, tem o dever de implementar políticas para atrair para o país investimento estrangeiro destinado aos PALOP.

Para tudo há um tempo certo. O momento de Portugal agir chegou.

  • Susana Almeida Brandão
  • Senior counsel da Vieira de Almeida

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Para tudo há um tempo certo

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião