Privatização da Efacec, um negócio nubloso
A apresentação da venda da Efacec ao fundo alemão Mutares foi um exercício de mistificação, de falta de transparência e de opacidade. Os contribuintes exigem um escrutínio rigoroso deste negócio.
O Governo anunciou há uma semana a privatização da Efacec. Mas fez um anúncio rodeado de uma nublosa sobre o negócio e o futuro da empresa.
Importa recordar o processo da nacionalização em 2020. A Efacec era uma empresa 100% privada. Porém, os problemas judiciais (internacionais e sobretudo nos EUA) da principal acionista, Isabel dos Santos, levaram a que a empresa enfrentasse graves problemas de compliance.
Em março/abril de 2020, o Governo garantiu que o único problema da empresa resultava dessa questão de compliance. A mudança de acionista permitiria à empresa voltar a recorrer ao financiamento bancário (e às garantias bancárias fundamentais para ganhar muitos projetos e concursos). O Governo foi claro, em 2020, quando nacionalizou a Efacec, que a empresa estava financeiramente bem. Quando muito teria os mesmos problemas que afetaram grande parte das empresas, em diversos setores, com a pandemia. Foi garantido pelo então ministro da Economia que a razão da nacionalização se prendia apenas com a questão da acionista. Se fosse por causa da pandemia, a empresa recorreria aos instrumentos públicos ao dispor de todas as empresas (empréstimos, garantias, lay-offs, apoios à retoma económica, etc.).
Em 2020, o Governou invocou que a Efacec, enquanto empresa nacional, “constitui uma referência internacional em setores vitais para a economia portuguesa”. O Governo pretendia viabilizar a continuação da operação da empresa, garantindo o seu valor económico e financeiro, e salvaguardando os cerca de 2 500 postos de trabalho. Mais, o Governo garantia que tinha cerca de uma dezena de interessados na Efacec. E dizia ainda: “A intervenção do Estado deve ainda ser feita por período restrito no tempo e com vista à resolução temporária da respetiva situação, estando prevista a sua imediata reprivatização, a executar no mais curto prazo possível”.
Além do vasto número de interessados na empresa, dizia o então ministro da Economia Dr. Siza Vieira: “É uma empresa centenária, com uma reputação de excelência na engenharia portuguesa”. “É uma empresa que tem um volume de negócios significativo, que teve resultados positivos no ano passado. É uma empresa com viabilidade no mercado”.
Passaram três anos, e após uma tentativa falhada de privatização à DST (que foi chumbada pela Comissão Europeia por motivos de auxílios de Estado), e depois também da venda fracassada a outros interessados nacionais como a Visabeira, o governo anuncia agora a alienação à empresa alemã Mutares. A Mutares é apresentada como “uma holding com sede na Alemanha que adquire empresas de médio porte por meio de reestruturações internas”.
A apresentação da privatização foi um exercício de mistificação, de falta de transparência e de opacidade.
O Estado português injetou na empresa cerca de 217 milhões de euros, dos quais 133 milhões de euros em suprimentos (empréstimos do acionista) e 85 milhões de euros em garantias públicas. A que se somam mais de 10 milhões por mês até à conclusão do processo. E, ainda assim, a Efacec continua a perder valor e a dificultar qualquer solução de relançamento da sua atividade.
Perante uma conferência de imprensa que nada esclareceu, e considerando que o Governo nada diz, o PSD marcou um debate parlamentar de urgência, que ocorreu a 14 de junho. Mas também aí, o atual ministro da Economia pouco disse. Apenas ficámos a saber que existem três condições precedentes para que o negócio possa avançar: parecer da DG Comp, luz verde da Autoridade da Concorrência e do Tribunal de Contas, e acordo com credores.
Há muitas perguntas que o Governo tem de esclarecer.
A primeira é a mais simples. Por quanto vai ser vendida a Efacec? Qual o valor que a Mutares vai pagar? E porque participação do Estado? Vai comprar os 71% que o Estado detém? Ou o Estado ainda ficará com uma pequena participação? Se o Estado mantiver uma participação, estará na gestão? Quem acompanha e fiscaliza o cumprimento do Plano Estratégico?
A segunda é que condições impôs a Mutares para esta compra? É que o negócio com a DST, que falhou, previa um apoio público, através de um empréstimo do ‘Banco de Fomento’, de 100 milhões de euros a 20 anos e com um juro de 1.5%, bem como garantias públicas sobre a dívida da empresa.
Terceiro, sendo a Mutares um fundo de reestruturação, qual é o seu plano de negócios? Que investimentos fará o grupo alemão? Que objetivos têm? Permanecer e gerar valor ou fazer o “turnaround” rápido e vender a empresa (nem que seja às “fatias”, por áreas de negócio)?
Quarto, que condições financeiras existem que possam inviabilizar a autorização da Autoridade da Concorrência e sobretudo da Comissão Europeia?
Quinto, como ficam os acionistas minoritários? E como ficam os credores bancários e detentores de obrigações?
Sexto, que garantias tem o Governo que a empresa irá permanecer com os seus centros de I&D e de produção em Portugal? Quais são as principais linhas da estratégia da Mutares que convenceram o Governo da bondade da solução?
Sétimo, que apoios estatais serão dados à Mutares? Envolvem o Banco de Fomento?
Por último, em oitavo, que futuro podem esperar os cerca de 2 mil trabalhadores da Efacec?
Ou seja, não sabemos quase nada sobre o futuro da empresa. Nem quanto o Estado ainda irá colocar na empresa em termos financeiros. Nem quanto o Governo espera recuperar no final da operação e quanto custará aos contribuintes esta aventura socialista na Efacec.
Como referiu o diretor do ECO (Efacec, uma fraude política), estamos de facto perante uma fraude política. Faço minhas as suas palavras: “Não é normal é o Governo promover uma conferência de Imprensa para anunciar que não pode revelar o que é mais importante e vai permitir perceber se é possível ou não limitar as perdas (dos contribuintes), avaliadas em cerca de 217 milhões de euros, dos quais incluindo 133 milhões de euros em suprimentos (empréstimos do acionista) e 85 milhões de euros em garantias públicas”. Os contribuintes exigem um escrutínio rigoroso deste negócio.
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